Des. Denise Alves Horta: pontos polêmicos introduzidos na parte da CLT que trata da “audiência de julgamento” (artigos 843 a 852), com realce para o arquivamento e a revelia.
A palestrante iniciou sua apresentação apontando que os efeitos da ausência das partes na audiência de julgamento sofreram alterações com a reforma, alterações essas que já estão se refletindo nos julgamentos realizados no TRT mineiro.
O primeiro artigo comentado foi o 844
da CLT, que sofreu significativas alterações. Exemplificou,
inicialmente, com o acréscimo do §2º.
“Na hipótese de ausência do
reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na
forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça
gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência
ocorreu por motivo legalmente justificável”.
Conforme expôs a desembargadora, a
condenação do reclamante em custas, ainda que beneficiário da justiça
gratuita, tem sido alvo de críticas.
A primeira delas é a
inconstitucionalidade (estando em curso a Ação Direta de
Inconstitucionalidade-ADI 5766, que indicou esse dispositivo, entre
outros), sob o fundamento de que o dispositivo afronta a Constituição
Federal: art. 5º, inciso XXXV (princípio da inafastabilidade da
jurisdição) e inciso LXXIV (concessão pelo Estado de assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos LXXIV).
Outra crítica apontada diz respeito à afronta ao
princípio de vedação ao retrocesso e, nesse caso, o Estado estaria
nitidamente retrocedendo no oferecimento de direitos fundamentais, ao
retirar, em tais hipóteses, as garantias previstas nos incisos citados.
Argumenta-se também que houve um choque
com o disposto no art. 98, § 1º, incisos I e IV do CPC: se o litigante é
beneficiário da justiça gratuita não paga custas nem honorários de
advogado e perito.
Houve ainda contradição interna com artigos da CLT, a exemplo:
- Art. 790, §§ 3º e 4º (justiça
gratuita para quem:
1 - receber salário igual ou inferior a 40% do
limite máximo dos benefícios do RGPS;
2 - comprovar impossibilidade de
pagar as custas processuais);
- Art. 790-A (menciona isenção de custas para os beneficiários de justiça gratuita).
Por fim, a desembargadora trouxe o
fundamento de que o dispositivo promove uma dupla penalidade, já que o
art. 732 da CLT dispõe que o arquivamento por duas vezes seguidas
implica na perda, pelo prazo de seis meses, do direito de reclamar
perante a Justiça do Trabalho. É a denominada perempção.
Um segundo aspecto criticado em relação ao texto legal do art. 844, § 2º, diz respeito à parte final “(...) salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável”.
Isso porque esse dispositivo contradiz o próprio benefício da justiça
gratuita, pois sendo dele beneficiário, o reclamante nada precisaria
comprovar.
Em sentido contrário, um dos
fundamentos que embasaram a criação do dispositivo em comento foi o de
que a parte terá um cuidado maior para não ajuizar ações inconsistentes.
Outro ponto abordado pela desembargadora foi a referência da lei a “motivo legalmente justificável”
para a ausência do reclamante à audiência, referido no art. 844, § 2º,
que pode ser:
a) qualquer um daqueles previstos no art. 473 e incisos da
CLT, que dispõem sobre razões justificadas para ausência do empregado
ao trabalho;
b) doença;
c) outras razões entendidas como “poderosas” e
relevantes (§ 2º do art. 843; § 1º do art. 844 da CLT, além das que o
juiz assim entender, segundo a sua equilibrada ponderação, nos termos do
art. 375 do CPC – aplicação pelo juiz das regras de experiência comum e
observação do que ordinariamente acontece).
O §3º foi outro dispositivo que também foi acrescentado ao artigo 844 da CLT:“O pagamento das custas a que se refere o § 2º é condição para a propositura de nova demanda”.
Como observou a palestrante, tem-se entendido que esse dispositivo constitui afronta à garantia constitucional
de livre acesso à justiça, violando o princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV).
Também
desrespeita instrumentos internacionais ratificados pelo Brasil, com
garantias insertas na própria Constituição.
A esse respeito, a
desembargadora pontuou que a CF já incorporou no seu plexo normativo
muito das regras e garantias previstas em instrumentos internacionais
ratificados.
“Ademais, o dispositivo legal atrita com a singularidade
do jurisdicionado trabalhador e a natureza alimentar dos direitos
postulados”, completa, lembrando ainda que as custas devidas são
executadas, conforme dispõe o art. 790, § 2º, da CLT, razão pela qual
não haveria prejuízo à União nesse sentido.
Segundo observou a desembargadora, a
reforma implicou tripla penalidade ao reclamante para o mesmo fato
(ausência não justificada à audiência inicial):
a) a primeira se refere à
previsão já existente do art. 732 da CLT, que é a perempção;
b) a
segunda é o pagamento de custas ainda que beneficiário da justiça
gratuita;
c) a terceira é a relativa à quitação das custas como
condição para a propositura de nova demanda.
A favor dos §§ 2º e 3º do art. 844 da
CLT acrescidos pela Reforma, a palestrante citou argumentos da doutrina
de que eles trouxeram conteúdo ético ao processo e tiveram o intuito de
promover uma maior responsabilidade da parte autora no ajuizamento das
ações que, doravante, tendem a ser mais consistentes.
Quanto à aplicação desses artigos, a
desembargadora citou alguns entendimentos em voga no âmbito trabalhista.
A primeira corrente entende pela aplicação literal da nova lei, já
vigente no momento da audiência, pelo que, ausente o reclamante, há o
arquivamento da ação e a condenação dele ao pagamento das custas,
independentemente da data do ajuizamento da ação.
Segundo afirmou, é o
que mais se tem visto nos processos vindos ao TRT.
A outra vertente considera o fato de o
ajuizamento da ação ter ocorrido antes da nova lei e o arquivamento na
vigência da lei nova. Nessa hipótese, argumenta-se com a
imprevisibilidade, à época do ajuizamento, dos riscos e dos prejudiciais
efeitos econômicos da demanda posteriormente advindos, pelo que
aplicável a lei vigente no momento do ajuizamento, e, assim, isenta-se o
reclamante do pagamento das custas, em sendo beneficiário da justiça
gratuita. Mas, como registrou a desembargadora, há entendimento
contrário, com base na teoria do isolamento dos atos processuais: tempus regit actum
(art. 14 do CPC), ou seja, a lei aplicável é aquela vigente na época da
prática do ato, que, nessa hipótese, é a data do arquivamento.
Um terceiro entendimento se dá
independentemente da data do ajuizamento da ação: arquivamento com
aplicação da norma mais favorável ao livre acesso à Justiça (arquiva-se o
processo, com deferimento da justiça gratuita, se for o caso, e isenção
de custas), com fundamento na proibição de retrocesso, contradições,
múltiplas penalidades para o mesmo fato, entre outros argumentos
anteriormente citados, ainda que nos 15 dias posteriores o reclamante
não apresente justificativa pela ausência à audiência.
Um quarto posicionamento é no sentido
de que, ausente o reclamante, suspende-se a audiência, não se
determinando de plano o arquivamento; assim, eventual justificativa nos
15 dias seguintes ensejará a isenção das custas e o prosseguimento da
audiência. Não justificada a ausência, no prazo da lei, somente então
será determinado o arquivamento.
Aspectos da revelia - No tocante à revelia, a desembargadora comentou o parágrafo 5º que foi acrescido ao artigo 844 da CLT: “Ainda
que ausente o reclamado, presente o advogado na audiência, serão
aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados”.
A palestrante observou que a
importância do comparecimento pessoal das partes à audiência permanece
prevista no art. 843 da CLT não alterado.
Entretanto, o parágrafo 5º do
art. 844 amenizou para o reclamado os efeitos de sua ausência à
audiência, pois se presente seu advogado, este poderá entregar a defesa e
documentos, trazendo ao reclamado, assim, vantagem antes inexistente,
de não lhe ser aplicada a revelia (que é a ausência de defesa, art. 344
do CPC), e, com isso, significativo prejuízo para a efetividade do
processo:
“Se esse procedimento passar a ser adotado com frequência,
haverá prejuízo para a conciliação em audiência e, ainda, haverá
prejuízo à tomada do depoimento pessoal das partes e alcance da verdade
real”, alertou a desembargadora, apontando prejuízo também aos
princípios da concentração dos atos processuais, da imediatidade, da
celeridade, da economia, da maior efetividade do contraditório e da
democratização do processo.
Para a desembargadora, a reforma
trabalhista, na sessão que trata da audiência de julgamento, trouxe a
ocorrência de desequilíbrio e desigualdade no tratamento das partes.
Isso porque, houve um rigor excessivo atribuído aos efeitos da ausência
do reclamante - art. 844 §§ 2º e 3º da CLT e, por outro lado, houve uma
amenização dos efeitos da ausência do reclamado, não só em face do
disposto no art. 843, § 3º (o preposto não precisa mais ser empregado)
quanto em face do disposto no art. 844, § 5º, da CLT (mitigação da
revelia).
Encerrando, a palestrante conclamou os
operadores do Direito a que atuem com bom senso apurado, nunca perdendo
de vista o princípio da razoabilidade. Até porque, “afinar o dissonante é o nosso permanente desafio”, finalizou.
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