Em Sessão Ordinária realizada no dia 13/08/2015, dando cumprimento ao disposto no art. 896, parágrafo 3º, da CLT, e na Lei 13.015/2014, o Tribunal Pleno do TRT de Minas conheceu do Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) suscitado no processo 00448-2014-035-03-00-4-RO e, por maioria simples de votos, determinou a edição da Tese Jurídica Prevalecente nº 3, com a seguinte redação:
"COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. As comissões sobre as vendas a prazo devem incidir sobre o preço final da mercadoria, neste incluídos os encargos decorrentes da operação de financiamento ".Histórico do IUJ: Entendendo a origem e a matéria objeto do incidente
O IUJ foi suscitado por um reclamante, ao interpor recurso ordinário contra sentença proferida na ação trabalhista que ele havia ajuizado contra uma empresa (processo no. 00448-2014-035-03-00-4-RO). Ele pretendia a reforma da sentença, para que a empregadora fosse condenada a lhe pagar diferenças de comissões. Disse que, quando contratado, teve sua remuneração ajustada à base de comissões variáveis no mínimo de 1,0% sobre as vendas concluídas. Mas, segundo ele, era prejudicado pela empresa nas vendas a prazo, pois sua comissão era calculada somente pelo valor do produto à vista, ou seja, aquele contido na nota fiscal, e não pelo preço final pago pelos clientes/consumidores, que era bem superior. Alegou a existência de divergência jurisprudencial entre as Turmas do TRT/MG, no tocante à matéria relativa ao cálculo das comissões sobre vendas a prazo, apresentando, inclusive, cópias de acórdãos que demonstram os entendimentos divergentes.
Na decisão de lº grau, o reclamante teve seu pedido indeferido, ao fundamento de que a possibilidade de pagamento pela venda de forma parcelada era acessória à atividade do autor, com fim apenas de facilitar o pagamento para o cliente, por meio de parcelamento do preço. Além disso, o juiz destacou que o reclamante recebia de uma só vez as comissões pelos produtos vendidos, ainda que o cliente realizasse pagamento de forma parcelada ou deixasse de cumprir com alguma prestação, o que, na opinião do julgador, era vantajoso para o trabalhador.
A Turma Recursal de Juiz de Fora, ao analisar o recurso do trabalhador, acolheu o IUJ suscitado por ele e suspendeu o julgamento dos recursos ordinários interpostos na ação (incluindo o da reclamada), determinando a remessa do processo para a Comissão de Jurisprudência. Conforme ressaltou o relator do recurso, desembargador Luiz Antônio de Paula Iennaco, a divergência apontada, acerca do cálculo de comissões sobre vendas a prazo, é atual, em razão da repetição de ações abordando a matéria e da contemporaneidade dos acórdãos dissonantes. Ele também a considerou relevante, tendo em vista que o debate envolve suposto direito a diferenças salariais com relação a vários empregados, em razão de política adotada uniformemente pelo empregador, sendo que algumas decisões são pelo deferimento das diferenças, enquanto outras são pela negativa integral da pretensão.
Seguindo os trâmites do IUJ, o 1º Vice-Presidente Judicial do TRT-MG, desembargador José Murilo de Moraes, como base no artigo 2º da Resolução GP n. 9 de abril de 2015, determinou a suspensão do andamento dos processos que tratam da mesma matéria, até que fosse julgado o incidente.
Em parecer, a Comissão de Jurisprudência do TRT-MG reconheceu que as Turmas do Tribunal vêm, de fato, adotando em seus julgamentos teses contrapostas a respeito da matéria. A primeira no sentido de que "as comissões sobre as vendas a prazo devem incidir sobre o preço final da mercadoria vendida, no qual se incluem os encargos decorrentes da operação de financiamento." A segunda, de que "os encargos decorrentes do financiamento não integram as comissões devidas ao empregador vendedor". Apontou decisões judiciais comprovando essas divergências e, em seguida, apresentou três sugestões de redação de Súmula para fins de uniformização jurisprudencial:
(1) - "COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. Inexistindo previsão expressa em sentido contrário na data de admissão do empregado, as comissões sobre as vendas a prazo devem incidir sobre o preço final da mercadoria, neste incluídos os encargos decorrentes da operação de financiamento".
(2) - "COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. OS encargos decorrentes do financiamento das mercadorias não integram as comissões devidas ao empregado vendedor".
(3) - "COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. Inexistindo previsão expressa em sentido contrário na data de admissão do empregado, os encargos decorrentes de financiamento contratado com a empregadora ou com empresa integrante de seu grupo econômico integram as comissões sobre as vendas a prazo devidas ao empregado vendedor".
O Ministério Público do Trabalho (MPT) se manifestou pela adoção do entendimento expresso na 2ª opção de verbete, dentre os sugeridos pela Comissão de Uniformização de Jurisprudência, ou seja, de que "os encargos decorrentes do financiamento das mercadorias não integram as comissões devidas ao empregado vendedor". As razões apresentadas pelo MPT foram as seguintes: ao vendedor incumbe apenas a venda dos produtos, cabendo ao cliente optar pela forma de pagamento - a vista ou a prazo - que melhor lhe convir; a operação de parcelamento não se confunde com a operação de venda, ainda que concedida pela própria empregadora; de todo modo, o empregado é beneficiado, pois recebe comissão de forma antecipada, já incidente sobre a totalidade do valor do produto vendido, independentemente de eventual inadimplemento do comprador; eventuais encargos decorrentes de financiamento não podem integrar a comissão, da mesma forma que o risco do empreendimento não pode ser transferido ao empregado.
"X" da questão
Foi assim que os desembargadores do TRT de mineiro, pelo seu Tribunal Pleno, à unanimidade, conheceram do Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado pelo reclamante, com base no art. 896, § 3º, da CLT.
A questão jurídica controvertida objeto do IUJ referiu-se, portanto, ao cálculo das comissões nas vendas a prazo e a divergência residiu na integração, ou não, dos encargos financeiros decorrentes das operações de financiamento nas comissões devidas ao empregado vendedor.
Na sessão de julgamento, as sugestões formuladas pela Comissão de Uniformização de Jurisprudência foram desdobradas e reordenadas em cinco outras proposições:
(opção 1) - COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. OS encargos decorrentes do financiamento das mercadorias não integram as comissões devidas ao empregado vendedor.
(opção 2) - COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. Inexistindo previsão contratual expressa em sentido contrário na data de admissão do empregado, as comissões sobre as vendas a prazo devem incidir sobre o preço final da mercadoria, neste incluídos os encargos decorrentes da operação de financiamento.
(opção 3) - COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. Inexistindo previsão contratual expressa em sentido contrário na data de admissão do empregado, os encargos decorrentes de financiamento contratado com a empregadora ou com empresa integrante de seu grupo econômico integram as comissões sobre as vendas a prazo devidas ao empregado vendedor.
(opção 4) - COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. As comissões sobre as vendas a prazo devem incidir sobre o preço final da mercadoria, neste incluídos os encargos decorrentes da operação de financiamento.
(opção 5) - COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. As comissões sobre as vendas a prazo devem incidir sobre o preço final da mercadoria, neste incluídos os encargos decorrentes da operação de financiamento, desde que o financiamento seja contratado com empregadora ou empresa integrante do mesmo grupo econômico.
Tese vencida
No voto condutor, o desembargador Relator, Luiz Antônio de Paula Iennaco, propôs a adoção da primeira tese dentre as sugeridas na sessão de julgamento, ou seja: "COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. OS encargos decorrentes do financiamento das mercadorias não integram as comissões devidas ao empregado vendedor". Na sua visão, a prática empresária de quitar comissões aos empregados com base no valor à vista do bem vendido não configura ato ilícito, muito menos injusto, pois o preço maior praticado nos pagamentos a prazo decorre dos juros embutidos, relativos aos riscos da atividade com os quais somente a empresa arca. Ele ponderou ainda que o pagamento de comissões sobre o valor da venda à vista, mesmo nas operações de crediário, não prejudicaria o empregado, pois ele não estaria sujeito ao recebimento parcelado do benefício, nem correria o risco do inadimplemento do comprador. Assim, para o relator, os encargos decorrentes do financiamento das mercadorias não devem integrar as comissões devidas ao empregado vendedor.
Tese vencedora
Mas o desembargador redator, Emerson José Alves Lage, sugeriu a adoção da quarta opção, dentre as discutidas e propostas em sessão de julgamento, como visto acima, com o seguinte teor: COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. As comissões sobre as vendas a prazo devem incidir sobre o preço final da mercadoria, neste incluídos os encargos decorrentes da operação de financiamento". Ao final, essa foi a tese jurídica vencedora (ou Prevalente), acolhida pela maioria dos desembargadores Tribunal Pleno do TRT/MG, que ficaram convencidos pelas colocações do redator.
O desembargador redator ressaltou, inicialmente, que a solução da controvérsia jurídica, objeto do IUJ, está na definição de qual seria a melhor interpretação do artigo 2º da Lei 3.207, de 1957, que dispõe: "O empregado vendedor terá direito à comissão avençada sobre as vendas que realizar". Mais especificamente, em definir o que venha a ser a expressão "venda realizada" e seus efeitos para fins de pagamento de comissão. E, segundo ele, como a lei não estabelece distinção entre venda à vista e venda a prazo, para fim de apuração do valor da comissão, não cabe ao interprete fazer essa diferenciação.
Além disso, ele ponderou que a interpretação conjunta das normas que regem a matéria leva "à forte convicção" da possibilidade de que os encargos de financiamento devem sim integrar a base de cálculo das comissões sobre vendas. Sua conclusão se baseou na análise das seguintes leis:
Lei 3.207/57, em seus artigos 5°, 6° e 7º:
"Art 5o. Nas transações em que a empresa se obrigar por prestações sucessivas, o pagamento das comissões e percentagens será exigível de acordo com a ordem de recebimento das mesmas (sic).
Art 6o. A cessação das relações de trabalho, ou a inexecução voluntária do negócio pelo empregador, não prejudicará a percepção das comissões e percentagens devidas.
Art 7o. Verificada a insolvência do comprador, cabe ao empregador o direito de estornar a comissão que houver pago".
Também foi citado o artigo 466 da CLT, e seus parágrafos, que dispõem:
"Art. 466. O pagamento de comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a que se referem.
Parágrafo 1° - Nas transações realizadas por prestações sucessivas, é exigível o pagamento das percentagens e comissões que lhes disserem respeito proporcionalmente à respectiva liquidação.
Parágrafo 2o. - A cessação das relações de trabalho não prejudica a percepção das comissões e percentagens devidas na forma estabelecida por este artigo".
Nos termos do voto vencedor, a interpretação dessas normas reproduzidas leva "à clara percepção" de que o empregado tem direito, nas transações realizadas por prestações sucessivas, de receber "o pagamento das percentagens e comissões que lhes disserem respeito proporcionalmente à respectiva liquidação". Assim, para o desembargador, a leitura do artigo 2°, parte final, da Lei 3.207/57 ("vendas que realizar"), assim como da expressão constante do artigo 466 da CLT ("venda ultimada") não pode ser outra senão a de que a comissão, necessária e obrigatoriamente, incide sobre a totalidade do negócio realizado, nele se incluindo os possíveis encargos de financiamento ocasionados pelas vendas à prazo.
Para fundamentar seu entendimento, o redator frisou que o ato de venda não se restringe à fixação do preço ajustado e à escolha da forma de pagamento pelo comprador (se à vista ou a prazo). "O processo de venda percorre, por vezes, senão na quase totalidade das vezes, para fins de convencimento do comprador, um longo processo de convencimento, com estabelecimento das condições do negócio que, depois de pactuadas, passam à etapa meramente burocrática de concretização do financiamento. E essa intermediação entre vendedor e comprador está inserida no conceito jurídico de "transação ultimada", referida no artigo 466 CLT", destacou.
Citando trechos doutrinários de grandes estudiosos do Direito do Trabalho (Maurício Godinho Delgado, Alice Monteiro de Barros, Orlando Gomes e Elson Gottschalk), o desembargador explicou que não há margem à dúvidas: o que a lei assegura, como forma de débito/crédito das comissões, é ter-se a transacão ultimada, e esta, pelo texto legal, ocorre quando o vendedor entrega ao comerciante (empregador) a proposta de negócio e este não a recusa dentro dos prazos previstos em lei (art, 3º da Lei 3.207/57, segundo o qual: "A transação será considerada aceita se o empregador não a recusar por escrito, dentro de 10 (dez) dias, contados da data da proposta. Tratando-se de transação a ser concluída com comerciante ou empresa estabelecida noutro Estado ou no estrangeiro, o prazo para aceitação ou recusa da proposta de venda será de 90 (noventa) dias podendo, ainda, ser prorrogado, por tempo determinado, mediante comunicação escrita feita ao empregado").
Sendo assim, concluiu o desembargador que a transação engloba a atividade do vendedor empregado, que não se limita à simples demonstração do produto e indicação de preço e condições de pagamento, mas também o trabalho de persuasão do comprador para o ato de compra, recaindo, na fala do Ministro Maurício Godinho Delgado, de que a ultimação da transação ocorre com a aceitação"pelo comprador nos termos em que lhe foi proposta" a venda. Ou seja, o ato de venda não abrange, exclusivamente, a exibição do produto e indicação das formas de pagamento. A venda é concluída, na verdade, com o ato subsequente, e administrativo, de verificação das condições de crédito do comprador. Dessa forma, a interpretação no sentido de que a comissão incidiria apenas sobre o preço à vista contraria toda a estrutura normativa sobre a matéria.
O julgador lembrou ainda que o trabalhador comissionista puro, diferentemente dos demais trabalhadores, é remunerado com base, exclusivamente, na realização da própria venda. Não se poderia, portanto, entender-se que a atividade do empregado seja apenas a de demonstração ou oferta do produto e indicação dos meios de pagamento. "Há toda uma atividade de comercialização desse produto, nela se incluindo a formulação e convencimento quanto às formas de aquisição, atividade que deve e merece ser remunerada",registrou.
Em reforço à sua tese, ressaltou o relator que, como é de conhecimento de todos, os juros praticados sobre os negócios realizados no Brasil não remuneram apenas o valor pelo uso do capital emprestado, ou mesmo do risco pela inadimplência, mas representam, efetivamente, ganho real desse tipo de negócio (operação financeira). Muitas vezes, esses juros compõem o valor primário de venda dos produtos, em forma com o parcelamento do preço pago como se fosse aquele correspondente ao valor à vista do produto, mas, que na verdade, incorpora autêntico e simulado financiamento, por meio do conhecido sistema de juros embutidos. E, segundo o relator, esse é mais um motivo para que o empregado comissionista não seja remunerado considerando apenas o valor "real" do preço "à vista" da mercadoria. O contrário seria o mesmo que autorizar pagamento de comissão menor do que o valor da venda ou do negócio por ele realizado (atividade empreendida), segundo previsto e garantido em lei. Daí, frisou o relator que é devida a comissão pelo valor do negócio ultimado (toda a atividade de venda) que engloba, portanto, os ditos encargos financeiros (eles também foram objeto de negociação e agenciamento).
Por fim, o desembargador concluiu que, se as comissões incidem sobre as vendas realizadas ou ultimadas pelo empregado comissionista, elas devem incidir ou ser calculadas tendo como base de cálculo o preço final pago pelo consumidor, ou seja, o preço da mercadoria acrescida dos encargos de financiamento na venda a prazo. "Esta é a acepção legal, da 'venda realizada' ou 'ultimada'", arrematou.
Quanto aos acréscimos sugeridos nos outros verbetes propostos pela Comissão de Jurisprudência do TRT/MG, para o relator, a discussão sobre eles se mostrou inoportuna para o estabelecimento do precedente judicial. Isso porque a possibilidade de se estabelecer cláusula contratual com conteúdo diverso daquele autorizado em lei, ou a legalidade desta cláusula, dependeria da análise de cada caso concreto. Da mesma forma, o fato de ter sido ou não o financiamento originado do agenciamento direto com a própria empregadora, ou, ainda, por intermédio de empresa integrante de seu grupo econômico (ou mesmo a ela estranha), são questões que extrapolam os limites do precedente objeto do IUJ.
Por tudo isso, concluiu-se pela adoção do precedente constante da quarta opção daquelas discutidas e propostas em sessão de julgamento. Assim, os Desembargadores do TRT de mineiro, pelo seu Tribunal Pleno, por maioria simples de votos, determinaram a edição de Tese Jurídica Prevalecente, com a seguinte redação: "COMISSÕES SOBRE VENDAS A PRAZO. BASE DE CÁLCULO. As comissões sobre as vendas a prazo devem incidir sobre o preço final da mercadoria, neste incluídos os encargos decorrentes da operação de financiamento.".