Era madrugada e o motorista seguia viagem em um ônibus lotado de passageiros quando cochilou ao volante e acabou batendo em uma mureta de concreto.
O
acidente ocorreu na SP-330, em Sumaré-SP. Sem maiores danos para os
passageiros, a consequência imediata foi a dispensa por justa causa do
profissional.
Mas o juiz Osmar Rodrigues Brandão, em atuação na 4ª Vara
do Trabalho de Uberaba, acolheu o pedido feito pelo trabalhador e
reverteu a medida para dispensa sem justa causa.
Para o julgador, a
responsabilidade, na verdade, foi da empresa, pois submeteu o empregado a
jornada exagerada em turnos ininterruptos de revezamento. Enquanto o
máximo aplicável era de 6h dia, ele trabalhava o dobro. Além das verbas
rescisórias devidas na dispensa sem justa causa, o que inclui os 40% do
FGTS, a empresa de ônibus foi condenada a pagar indenização por danos
morais no valor de R$10 mil.
A ex-empregadora sustentou que o
motorista foi negligente e imprudente, ao dormir ao volante e que até já
havia sido advertido anteriormente.
Argumentou ainda que o acidente
poderia ter sido mais grave e que vários passageiros ficaram em estado
de choque. Isso sem falar dos danos materiais causados no veículo. No
entanto, o juiz não acatou a tese e reverteu a justa causa.
Na detalhada sentença proferida, foram
explicitados os requisitos para a aplicação da justa causa, nos termos
do artigo 482 da CLT, e abordados outros dispositivos existentes no
ordenamento jurídico vigente, inclusive na Constituição Federal.
“É
dever do empregador, no procedimento para aplicação da justa causa,
garantir o contraditório administrativo, frise-se - ao empregado (CLT
2º; CF 5º, §2º, LV)”, destacou na decisão.
Ademais, foi pontuado que
o patrão deve informar de maneira clara ao empregado sobre os motivos
que constituem a "justa causa", para que ele possa se defender. Só assim
o patrão poderá apurar e tomar decisão responsável, ciente do ônus
dessa decisão.
O juiz explicou que o empregador não pode simplesmente
invocar todo e qualquer fato para justificar a justa causa em momento
posterior à sua aplicação.
A conduta violaria o princípio da boa-fé
objetiva (artigo 422 do Código Civil).
Causas do cochilo - No caso, a
dispensa do motorista por “cochilar ao volante” e colidir em mureta foi
veementemente repudiada pelo magistrado. Isto porque, como analisou,
cochilar ou dormir é um estado e não uma conduta. Recorrendo ao
dicionário, destacou que sono é o estado fisiológico caracterizado pela
insensibilidade dos sentidos e pelo repouso que proporciona. É o
sentimento da necessidade de dormir.
Na avaliação do julgador, isso já
se mostra suficiente para afastar a justa causa aplicada pelo simples
fato cochilar ou dormir, já que assim não se apurou qualquer conduta.
“Ora, dormir ou cochilar é uma
reação fisiológica necessária do organismo em determinado estado. Se se
pretende punir alguém por ter dormido ou cochilado é preciso ir além e
investigar as circunstâncias que determinaram tal fato”, registrou.
No seu modo de entender, o fato em si pelo qual o empregado foi
dispensado é muito grave se consideradas as consequências potenciais
para a segurança. Do próprio motorista e de terceiros, conforme invocado
pela própria defesa. Segundo a decisão, estudos mostram que o sono pode
ser até mais nocivo ao volante que a própria embriaguez.
Por isso, o julgador não concebe que o
tratamento diante do fato seja tão simplório quanto simplesmente
dispensar o empregado por ter sono ou pela reação fisiológica
inevitável.
“Sem demonstrar qualquer preocupação com as
circunstâncias e causas por que se deu o sono, não se sabe e é provável
que outros motoristas da ré estejam "cochilando" ao volante”,
ponderou, acrescentando que não se deve esperar o próximo acidente pela
mesma causa para simplesmente dispensar o próximo motorista que dormir -
e tiver acidente, cujas consequências já não estão no domínio humano. “As causas, sim”, alinhavou.
Jornada exaustiva - No caso,
ficou demonstrado que o motorista estava submetido a trabalho em rodízio
de turnos, a qualquer hora do dia e da noite. “É sabido que o trabalho nessa condição altera todo o ciclo biológico, sobretudo o ciclo vigília-sono”, frisou o juiz, convencendo-se de que o sono, no caso, está notoriamente (artigo 374, I, do CPC) associado à fadiga.
Na visão do julgador, não é possível
atribuir o estado de sono do motorista senão à própria empresa, visto
que o ocorrido está no âmbito das consequências. Esta, sabendo do risco
que já é natural à sua atividade - tanto que por isso a Lei Civil lhe
impõe responsabilidade objetiva (CC 734 e ss.) - abusando de um suposto
"poder" diretivo, submete seus empregados a trabalharem 12h/dia, em
turnos ininterruptos de revezamento, cuja jornada máxima é de 6h/dia,
quando é sabido que "Motoristas com distúrbios do sono correm duas a
três vezes mais riscos de se envolver em acidentes”. Quando tratados, a
redução é de 70%" (http://quatrorodas.abril.com.br/auto-servico/o-sono-ao-volante/).
Prevenção de riscos -
Considerando os riscos de sua atividade para terceiros, destacou o juiz
que a empresa deveria prevenir esses riscos com eficiência.
Do ponto de
vista da prevenção e da segurança no trânsito, considerou que a empresa
de ônibus, ao "administrar a prestação pessoal de serviço", deveria
aferir sistematicamente o sono de seus motoristas, abstendo-se de lhes
exigir jornadas estendidas, sobretudo em turnos ininterruptos de
revezamento.
Nesse sentido, referiu-se à Constituição Federal (7º XIV;
XXII) e Convenções 155, 161 da OIT.
A decisão registrou ainda a existência
de estudos com diversas orientações quanto à prevenção do sono e da
fadiga como fatores de risco de acidente de trânsito. No entanto, a ré
não apresenta qualquer atitude de prevenção desses fatores de risco,
cuidando, superficialmente, apenas das consequências, ao dispensar
sumariamente por justa causa o motorista que cochila ao volante, sabendo
estar ele submetido a vários desses fatores, por exigência da própria
empresa.
Portanto, a conclusão foi a de que a
justa causa pelo motivo alegado não se sustenta, sendo acatado o pedido
do motorista para declarar nula a penalidade.
A empresa foi condenada
ainda ao pagamento de indenização por dano moral, tendo em vista a justa
causa aplicada de forma sumária, sem qualquer apuração, fixada esta em
R$10 mil.
- PJe: 0011645-72.2015.5.03.0168 — Sentença em 06/05/2017
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