Desde 1967, o alcoolismo crônico, caracterizado pela dependência
química do álcool, passou a ser classificado como doença pela
Organização Mundial de Saúde - OMS. No Código Internacional de Doenças, o
mal figura como "Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência", ou seja, uma doença capaz de retirar a capacidade de compreensão e discernimento do indivíduo.
Como
não poderia deixar de ser, em razão dos reflexos negativos do
alcoolismo na vida profissional do indivíduo, a Justiça Trabalhista
analisa inúmeros casos envolvendo empregados dispensados por justa causa
devido ao uso do álcool.
É que a "embriaguez habitual ou em serviço"
está prevista no artigo 482 da CLT (alínea f) como justa causa para a
rescisão do contrato de trabalho pelo empregador. Atualmente, discute-se
no meio jurídico trabalhista se o alcoolismo pode continuar sendo
aceito como motivo para a dispensa sem justa causa.
Mas,
recentemente, o TRT mineiro analisou um caso diferente, em que o próprio
trabalho do empregado numa famosa fábrica de bebidas contribuiu para
que ele se tornasse alcoólatra! É que, entre as suas funções, estava
também a de degustador de bebidas alcoólicas de forma voluntária durante
a jornada. No processo, ficou demonstrado que a dependência de álcool
surgiu depois que se tornou degustador. Com base em um conjunto de
provas, a 5ª Turma confirmou a sentença que reconheceu a
responsabilidade civil do empregador, apenas reduzindo o valor da
indenização para R$50 mil. O voto foi proferido pelo juiz convocado
Antônio Carlos Rodrigues Filho.
Em recurso, a empresa de bebidas
esclareceu não existir a função de degustador na empresa, mas sim um
banco de profissionais voluntários. Segundo destacou, os interessados se
submetem a testes, exames e recebem curso específico de degustação. Os
voluntários podem ou não participar das sessões, assim como são livres
para deixar de compor o banco de degustadores a qualquer tempo. A tese
defendida foi a de que a quantidade ingerida era pouca, não sendo nociva
ao organismo. Por fim, a ré destacou não ser o reclamante usuário
apenas de álcool.
Mas o relator não acatou os argumentos. Pelas
provas, verificou que o reclamante trabalhava como operador e participou
do quadro de provadores por dois anos. Mas ao longo de todo esse tempo,
a ré comprovou a realização de exames médicos específicos apenas para
ingresso na função. Para o julgador, ficou claro que a empresa não agiu
com cautela e vigilância com a saúde do empregado inserido na atividade
de degustação.
Ao analisar as provas, o magistrado também não se
convenceu de que a quantidade de bebida alcoólica ingerida fosse ínfima e
insuficiente para a afetar a saúde do trabalhador. Ele registrou que os
controles de degustação juntados com a defesa, denominados "avaliação sensorial", não
continham as quantidade ingeridas e se referiam apenas ao ano de 2012.
Ainda segundo o julgador, as testemunhas entraram em contradição no que
se refere às quantidades ingeridas. Uma delas declarou que a degustação
ocorre todos os dias.
A prova testemunhal esclareceu que eram
oferecidos prêmios ao degustador, tais como caixa de cerveja, cooler,
balde. Como ponderou o juiz convocado, até a premiação oferecida
consistia em bebida alcoólica, além de acessórios que induzem ao
consumo. Ele considerou espantosa a revelação de que reclamada convocava
os trabalhadores em plena jornada de trabalho para experimentar bebidas
alcoólicas e depois retornar à operação de máquinas. No caso do
reclamante, as funções incluíam lidar com garrafas de vidro e cacos de
vidro.
Ademais, testemunhas ouvidas confirmaram a aparência de
embriaguez do operador no trabalho, com "fala devagar e enrolada". Uma
testemunha disse que sentiu diferença de comportamento dele antes e
depois da degustação. Segundo relatou, antes era normal, depois passou a
ficar "recuado, nervoso, alterava a voz". O juiz não encontrou prova de
que a fabricante de bebidas tivesse adotado medidas de prevenção do
risco a que sujeitou o reclamante. Os treinamentos oferecidos eram
apenas para garantir a qualidade do produto fabricado. Em depoimento, o
preposto declarou que, se detectado algum caso de alcoolismo, "a pessoa
busca tratamento conforme as necessidades dela". Na visão do julgador,
uma clara demonstração da negligência da ré.
Quanto ao uso de
outras substâncias psicoativas pelo operador, entendeu o relator que não
afasta da culpa da empresa de bebidas. Isto porque, conforme observou, a
análise dos autos se limita ao consumo de álcool por ela oferecido.
Para o magistrado, o fato inclusive agrava a situação da empresa, que
deveria ter avaliado essa condição. A conclusão alcançada foi a de que
não havia controle de saúde do trabalhador.
Por fim, foram
consideradas irrelevantes as alegações de que não foram apontados outros
empregados na mesma situação, bem como de inexistência de incapacidade
para o trabalho. De igual modo, o fato de o reclamante estar longe do
álcool atualmente. Na avaliação do juiz convocado, nada disso apaga a
realidade configurada e nem o dano sofrido pelo trabalhador.
Mas o
julgador considerou excessivo o valor de R$100 mil fixado em 1º Grau,
já que a degustação de bebidas alcoólicas não foi a causa exclusiva do
mal alegado pelo operador, atuando como concausa. Nesse contexto,
acompanhando o relator, a Turma deu provimento parcial ao recurso para
reduzir a indenização por danos morais para R$50 mil. Foi determinada a
remessa de ofício ao Ministério Público Federal, comunicando a
utilização dos empregados na degustação dos produtos da empresa de
bebidas no curso da jornada normal de trabalho.
PJe: Processo nº 0011017-82.2015.5.03.0039 (RO). Acórdão em: 13/09/2016
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