Quando Montesquieu (1689-1755), após 20 anos de estudos, publica o Espírito das Leis, propondo não a divisão e sim o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tríade de sustentação de qualquer projeto democrático, pois, na sua concepção, cada um deles tramita de forma distinta e com a independência necessária, não vislumbrou que nos dias de hoje o Judiciário seria a vis atractiva dos poderes e sobre ele desembocariam todas as questões que demandassem soluções imediatas a respeito dos problemas sociais e políticos que afligem o país.
Nenhuma dúvida paira no sentido de que a população brasileira vive um angustiante clima de violência, gradativa cada vez mais, com a ocorrência de crimes variados, desde as condutas corriqueiras graves até as de alto coturno. E o povo aguarda ansiosamente por decisões judiciais que possam pelo menos conter e administrar de forma condizente a razoável segurança do cidadão. Tanto é verdade que, após o alardeamento público da prática de algum crime, aguarda-se a correspondente persecução penal e, em caso de condenação, a aplicação imediata da pena de prisão, preferencialmente a ser cumprida em regime fechado, como era no tempo das Ordenações.
E tal pensamento tem como fonte propulsora a criminalidade crescente e avassaladora, que instala um clima de total insegurança, fazendo com que cada um possa eleger a segregação dos infratores como a solução para estancar a violência. Não se pode olvidar que vários diagnósticos a respeito da criminalidade foram apresentados erigindo-a à categoria de problema científico, mas os métodos apresentados para solucioná-la foram frustrados.
A recente decisão proferida pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal deu nova formatação à prisão, permitindo-a após a confirmação da sentença condenatória em julgamento de segunda instância, sem a necessidade de se aguardar eventual recurso interposto pelo sentenciado. O ministro Teori Zavaschi, relator do HC 126.292, relativizou o princípio da presunção da inocência, que em seu entender se esgotava com a confirmação da sentença condenatória pelo julgamento do segundo grau de jurisdição. Tal decisão modifica postura anterior do mesmo Tribunal que considerava que a sentença só seria definitiva depois de esgotados todos os meios recursais.
Com todo o respeito que merece a mais alta Corte do país, a decisão continua a provocar intensos debates. A postura garantidora constitucional até então era no sentido de que toda pessoa só seria declarada culpada após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, de acordo com o estabelecido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal. Com tal premissa fica explicitado que a regra é a liberdade, assim como, da mesma forma, a inocência deve prevalecer enquanto não proclamada judicial e definitivamente em sentido contrário. Isto porque, na dimensão defensiva, o contraditório e ampla defesa, instrumentos basilares no Estado Democrático de Direito, com os meios e recursos inerentes à defesa do cidadão, com suporte constitucional no art. 5º LV, não impõem restrições e nem mesmo limitações ao exercício do direito de defesa, que deve navegar pelo mais amplo canal processual.
Pois bem. O país acompanhou o julgamento do ex-presidente Lula, cujo recurso foi apreciado pelo Tribunal Regional Federal (TRF-4), que não só confirmou in totum a decisão de primeiro grau, como majorou a pena imposta, tornando-a definitiva em 12 anos e um mês, em regime fechado. Em razão da decisão proferida em segundo grau volta à baila se será aplicada a nova diretriz do Supremo Tribunal Federal, após esgotados os recursos interpostos pela defesa.
O campo recursal para o apenado é estreito em razão da decisão unânime do Tribunal colegiado. A defesa do ex-presidente, até de forma antecipada, ingressou com habeas corpus preventivo perante o Superior Tribunal de Justiça, visando afastar a execução provisória da pena, cuja ordem foi negada.
Pode ocorrer, no entanto, embora a presidente da Corte Suprema já tenha descartada a possibilidade de pautar novamente alguma ação que retome a discussão sobre cumprimento provisório da pena, é possível a incidência, desde que haja pedido de algum ministro. É interessante observar que os juízes que em 2016 votaram contra a prisão proveniente de julgamento de segunda instância, em suas decisões monocráticas vêm mantendo o mesmo posicionamento. E a chance de mudança de entendimento da Suprema Corte ganha corpo no instante em que um dos ministros já manifestou interesse em rever o voto favorável que proferiu, lembrando que a votação recebeu seis votos a favor e cinco contrários.
Se for revista a decisão e vingar o posicionamento contrário, dá-se a impressão que se tratou de providência para atender os interesses de uma única pessoa, circunstância que, inevitavelmente, quebraria o princípio da isonomia. Se permanecer a mesma postura, a impressão que se tem é que a decisão afronta a Constituição, acarretando instabilidade jurídica, política e social, principalmente quando colide com as cláusulas consideradas pétreas.
O imbróglio está formado.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.
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