Segundo palestrante da tarde, o professor Antônio Álvares da Silva partiu do princípio do ciberespaço e o trouxe para dentro da realidade da Justiça do Trabalho. E, segundo pontuou, a metade dele já está aqui, visto que a JT sempre foi mais rápida e evoluída que a Justiça comum. “Como o Direito do Trabalho vai se enquadrar nesse ciberespaço, que pressupõe a coexistência de dois mundos, o real e o mundo da internet?”, indaga, pontuando que as relações sociais reais trazem para as mãos dos juízes as questões que a vida cotidiana suscita e que agora vão abranger essa realidade vivida no mundo virtual.
Ele faz uma leitura da realidade atual no direito individual e coletivo do trabalho. Para ele, o principal problema é a proteção contra a dispensa. “Será possível falar nisso hoje?”, indaga, entre cético e curioso. E problematiza a questão da seguinte maneira: uma pequena empresa entra em crise e dispensa empregados, mas o juiz invalida a medida, dizendo que não pode fazer dispensa coletiva. E aí, como resolver o dilema que se instala, quando proteger o empregado implica destruir a empregadora? Não tendo a empresa como sobreviver, com o tempo, o cenário será de inadimplência trabalhista e desemprego, inexoravelmente. Para Álvares da Silva, o grande desafio aí é manter o meio termo, o equilíbrio necessário para garantir os direitos dos trabalhadores e dotá-los de mecanismos de defesa dos seus interesses, sem destruir a empresa, geradora do emprego.
Negociação livre e poderosa - Mas, segundo aponta, a luz que brilha ao fim desse túnel atende pelo nome de direito coletivo do trabalho, como fruto da negociação coletiva. “É a grande força das categorias, porque eles podem negociar diretamente com a empresa e fazer valer seus interesses, e esta, por seu turno, negociará nos limites das suas possibilidades”, prevê, lembrando que esse é o único caso em que a lei vale genericamente fora do parlamento. Ou seja, as cláusulas negociadas tornam-se normas coletivas, obrigando e beneficiando toda a categoria patronal e profissional.
No seu entendimento, todo o esforço hoje tem de ser no sentido de valorizar a negociação coletiva e dar poder aos sindicatos, de forma que eles tenham força para fazer valer os interesses dos seus representados na negociação com a classe empregadora.
Como bom exemplo nessa seara, ele cita a Alemanha, onde 95% das relações de trabalho são pautadas pela negociação coletiva. “Para mim, hoje, o direito do trabalho se chama negociação coletiva, que tem como instrumento principal os sindicatos e como objeto último a satisfação de ambas as partes envolvidas”, pondera, acrescentando que, na visão dele, greve hoje representa atraso. Isto porque, uma greve vitoriosa pode significar a destruição do empregador, ou seja, destrói a célula social, em prejuízo para ambos os lados.
O professor é enfático ao alertar que é preciso evitar o cadafalso, ou seja, a “forca” do extremismo, capaz de aniquilar tanto o empregado quanto o empregador, por falta de diálogo e de negociação. “Temos de aprender a negociar. Não há nenhum país forte do mundo que não negocie coletivamente as suas condições de trabalho. Por que isso não pode ser no Brasil?”, pondera, frisando que até podemos ser subdesenvolvidos, em certos aspectos, “mas nunca na inteligência e na consciência da nossa cidadania, que é capaz de grandes realizações”.
E o que se vai discutir na negociação coletiva? Segundo o professor, tudo o que for inerente à relação de trabalho, como uma projeção do direito individual para o direito coletivo. “Não pode haver restrições. Tudo pode ser negociado na convenção coletiva, dentro dos parâmetros do direito do trabalho. E que haja um mínimo de intervenção do Ministério Público. Afinal, quem é livre para negociar tem de ter a responsabilidade da negociação”.
A mão das redes - No campo do direito público do trabalho, o palestrante aponta uma contribuição das redes informatizadas na fiscalização trabalhista. Diante da impossibilidade fática de que o fiscal visite pessoal e sistematicamente todas as 15 milhões de empresas do país, ele fará apenas uma revisitação pela internet. Ou seja, vai apenas uma vez, autua, e depois faz o controle pela internet, através de câmeras e sistemas, que detectarão os erros e excessos, construindo uma linha de fiscalização virtual eficiente.
Decidindo em casa - Ao falar sobre os conselhos de empresa ou comissões de fábrica, ele expressa: “Essa é a nossa grande esperança que a JT possa se desvincular do grande peso que pende sobre seus ombros”.
No entanto, demonstra grande decepção com a forma como estes foram instituídos pela Lei 13.467/17, valendo apenas para empresas com mais de dois mil empregados. Para ele, trata-se de uma deformação da lei, o que a torna, praticamente, sem sentido: “Empresas desse porte já são ricas e fortes, e o empregado é, em geral, instruído, com consciência dos seus deveres sociais e políticos, de forma que não precisam dos conselhos de empresa. Estes devem ser voltados para a pequena e média empresa”, pondera, acrescentando que a esmagadora maioria das ações que tramitam na JT vêm do pequeno empregado, direcionadas ao micro e pequeno empresários e, em menor escala, ao médio. “Por que não transferimos essas questões para dentro do conselho de empresa, onde empregado e empregador podem se sentar diariamente para discutir e resolver os seus problemas?”, sugere o jurista.
Justiça light - Passando à discussão atual sobre o direito processual do trabalho, o professor ensina que processo é instrumento da aplicação lei: “Pode-se ter a melhor lei e ela fracassar dentro de um mau processo, assim como podemos ter péssimas leis, engrandecidas no processo através da interpretação do bom magistrado”. E daí, partindo para a sua crítica à estrutura da Justiça do Trabalho, dispara: “Ouve-se por aí que a Justiça do Trabalho é a justiça dos necessitados, que tem nas mãos do juiz a última esperança de justiça que alimenta a sociedade. Mas será isso a realidade?”. Álvares da Silva passa a se referir ao caminho do processo nas quatro instâncias que ele pode percorrer na Justiça do Trabalho: Varas Trabalhistas, TRT, TST e STF. “Não tenho nada contra os recursos, só que eles não podem afetar o direito da parte”, pondera, dizendo que a justiça tem que ser rápida, mas com responsabilidade para não redundar em injustiça. “É um absurdo um processo do trabalho demorar seis anos. Isso é um acinte ao trabalhador”, critica.
Para o jurista, é fato que a Justiça do Trabalho tem de ser simplificada, enxuta e acelerada. E, para tanto, ele apresenta um modelo de solução, dentro do espírito da internet. Resumida na chamada PEC Peluso, a proposta é a execução definitiva e imediata do débito trabalhista, assim que o processo for julgado no Segundo Grau, quando se esgota a discussão sobre a matéria de fato. A partir daí, pode-se recorrer ao TST e ao STF, para discutir matéria de direito, mas a execução definitiva já correria em paralelo.
Fundo garantidor - Mas e se a decisão mudar nas instâncias superiores, quem vai repor a empresa em razão da sua tardia vitória? A essa pergunta que atormenta a todos, o desembargador aposentado responde apresentando o Art. 3º da Emenda Constitucional no 45, que cria o Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas. Daí sairiam os recursos para ressarcir o empregador. Ou, por outro lado, para pagar o reclamante na execução definitiva, devendo este devolver o valor caso perca nas instâncias superiores. Aí, nesse caso, se a solução do recurso demorar, não importa, a justiça já terá sido feita. Quanto à discussão que mobilizou todo o país sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, ele pondera que o teor do art 5o, LVII da CF/88 não atinge a JT, mas apenas a Justiça penal.
Essa, segundo Antônio Álvares da Silva, seria a grande reforma trabalhista que precisaríamos. E poderia ser feita com uma simples Medida Provisória de quatro ou cinco artigos, dizendo que as decisões da JT executam-se, definitivamente, após o Segundo Grau, usando o Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas. “Se o legislador não faz isso, temos de continuar assoberbados com milhões de processos, fazendo injustiça coletiva, porque os processos ficam esperando os julgamentos dos recursos, por anos a fio, e o trabalhador sem receber o seu crédito alimentar”, lamenta o professor e aposta que, se simplificarmos a estrutura processual na Justiça do Trabalho, o custo dela cairia em dois terços, como também o número de processos. “Basta fazer isso para se ter o espírito da internet. Entraremos no mundo moderno para fazer justiça de fato. Agilizaremos o processo para não ficarmos com essa justiça em que o trabalhador é quem paga, por não receber o que tem direito por longos anos.”
Por fim, o professor lembrou o relevante papel histórico cumprido pela Justiça do Trabalho, ao harmonizar interesses de empregados e empregadores. “Graças a ela, conseguimos alcançar a nossa industrialização sem revolução. Caso contrário, toda reivindicação social só se resolveria por meio da força”, frisou.
Na visão do grande jurista, a Justiça do Trabalho vai ter de se resumir porque já está superada e precisa se modernizar e se adequar aos novos tempos. Tempos estes em que os sindicatos farão assembleias online, com mera comunicação através da internet. Também os processos serão julgados online, em decisões apoiadas pelos algoritmos, que captarão e sistematizarão as questões trabalhistas. Com isso, o sistema poderá fazer uma revisão profunda e rápida de todas as causas trabalhistas envolvendo a matéria e como foram decididas até ali, sugerindo o caminho da petição ou da decisão judicial. “Mas devemos lembrar que informática sozinha não faz milagres, não é a salvação de tudo, mas apenas um instrumento. Quem tem de dar o último significado das coisas não é a máquina, mas sim o homem”, finaliza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário