CURRÍCULO

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ADVOGADO
MESTRE EM EDUCAÇÃO
COACH JURÍDICO - EDUCACIONAL - PROFISSIONAL E PESSOAL
PÓS-GRADUADO EM DIREITO ADMINISTRATIVO
PÓS-GRADUADO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL
PÓS-GRADUADO EM DIREITO DO TRABALHO E PROCESSO DO TRABALHO
PÓS-GRADUADO EM GERENCIMENTO DE MICRO E PEQUENA EMPRESA
GRADUADO EM HISTÓRIA
PROFESSOR DE CURSO PREPARATÓRIO PARA CONCURSO PÚBLICO
PROFESSOR DA UNA

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

“Como pode uma lei em sentido formal ser, ao mesmo tempo, superior e inferior às convenções e acordos coletivos de Trabalho?”

O professor Arnaldo Afonso Barbosa prevê que a interpretação da reforma trabalhista será diversa: alguns puxando mais para o literal dos textos, outros buscando o equilíbrio, de natureza constitucional, entre o capital e o trabalho, pois essa é a ideologia assumida pela Constituição e, portanto, não pode haver desequilibro entre esses dois pilares do Estado brasileiro. “O capital vive do trabalho e o trabalho vive do capital”, registrou.
Isso posto, levantou as questões: “Prevalência das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho sobre a legislação do trabalho? Ou prevalência dessas convenções e acordos coletivos sobre a Constituição?” Segundo o palestrante, na medida em que foi estudando o assunto, percebeu que, de fato, a pretensão foi colocar o negociado acima da Constituição, postura que critica veementemente: “Nenhuma norma está acima a Constituição”, protestou.
A segunda questão apresentada foi: Será que essa prevalência é sobre regras ou sobre princípios jurídicos?Baseado em Norberto Bobbio e outros autores, ensinou que princípios são normas jurídicas generalíssimas, diferindo das regras de conduta detalhadas. Normas impõem deveres e obrigações específicas e devem ser respeitadas, mas há uma hierarquia entre elas. Princípios têm a ver com a própria concepção da norma e dão um prisma sob o qual elas tem de ser observadas, iluminando e informando todo o ordenamento jurídico. Ele lembrou que o princípio matriz da legislação do trabalho é o princípio da proteção do trabalhador, onde se assenta a prevalência da norma mais favorável. Então, haveria prevalência do negociado sobre o princípio da norma mais favorável?
O palestrante se mostrou incomodado com a previsão contida no parágrafo primeiro do artigo 611-A de que a Justiça do Trabalho “observará”, no exame da convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, o disposto no parágrafo 3º do artigo 8º da Consolidação. E também com o fato de o parágrafo segundo dizer que “a inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico”. De acordo com o professor, essa prevalência parece significar superioridade das normas das Convenções coletivas de trabalho e dos acordos coletivos sobre as normas legais do trabalho. Nesse contexto, podem se aplicar, inclusive e absurdamente, contra legem.
Em sua abordagem, destacou também que a prevalência da norma mais favorável é um princípio de natureza constitucional. Trata-se de um princípio vinculado, decorrente da aplicação do princípio da proteção do trabalhador, que é o princípio matriz identificador do Direito do Trabalho. Aqui citou Arnaldo Sussekind que diz: incidindo várias normas favoráveis ao trabalhador, aplica-se a norma mais favorável, independentemente de sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, inclusive sobre a Constituição, vez que a própria Lei Maior prevê o princípio da proteção do trabalhador. Assim, ele não se coloca sobre a Constituição, mas decorre dela. Segundo expôs o palestrante, o princípio da proteção do trabalhador não é um princípio de ordem legal, como esse da prevalência do negociado previsto na Lei da reforma. É um princípio de ordem constitucional e, como tal, deve ser respeitado e observado.
Ele enxerga até um problema de lógica no fato da Lei nº 13.467/17 estabelecer a prevalência dessas negociações sobre as normas legais. Isto porque, como é uma lei em sentido formal e estatui a prevalência das convenções e dos acordos sobre as leis, inclusive sobre ela própria, a lei da reforma se coloca como uma norma inferior em relação às normas das convenções e acordos coletivos. Diante desse quadro, questionou: “Como pode uma lei em sentido formal ser, ao mesmo tempo, superior e inferior às convenções e acordos coletivos de Trabalho?”. Para ele, uma questão de racionalidade e lógica, que atenta contra o princípio da identidade, da não-contradição, do terceiro excluído, que são as diretrizes básicas do nosso pensamento, egresso que é do pensamento grego.
Âmbito material da prevalência.  O palestrante explicou que se ateve à expressão “entre outros” do artigo 611-A, que assim prevê: “A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre...”. Quais são esses “outros”? - foi a sua indagação. Recorreu ao artigo 611-B, cujo conteúdo é o seguinte: “Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos”. Chamando a atenção para a palavra “exclusivamente” dos direitos relacionados aos incisos I a XXX. De acordo com o professor, os incisos I, XXIV, XXIX, XXX referem-se a normas legais que não poderiam mesmo ser objeto de supressão ou redução. Portanto, todos os demais direitos conferidos pela legislação do trabalho aos trabalhadores poderiam ser ou suprimidos ou reduzidos mediante convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho.
O âmbito de validade material dessa prevalência sobre as leis do trabalho compreende todas as normas da lei do trabalho, exceto essas aí, as constitucionais, repetidos nesses incisos do artigo 611-B, as legais indicadas nesses incisos do 611-B, e as legais sobre duração do trabalho e intervalos”, registrou. E lembrou Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo sistema, subversão de seus valores fundamentais. “Conforme o escalão, princípio da proteção do trabalhador e o aplicativo da prevalência da norma mais favorável, no meu entender, são princípios constitucionais”.
Inconstitucionalidades apontadas - Prosseguindo, apontou que a primeira questão da inconstitucionalidade a pensar seria em razão dessa ofensa aos princípios constitucionais. Como pontuado, a natureza jurídica do princípio da proteção do trabalho é muito clara na Constituição. A natureza jurídica de uma categoria jurídica se dá pela localização desse conceito no topo do ordenamento jurídico. E aqui eles estão colocados no direito constitucional. O artigo 1º da Constituição diz que o valor social do trabalho é um dos fundamentos do Estado democrático de direito, o qual objetiva construir uma sociedade livre. “Sem esse fundamento, caiu o prédio”, pontuou.
Ainda conforme expôs o palestrante, consta no artigo 170 da Constituição que a valorização do trabalho é um dos fundamentos da ordem econômica. No artigo 6º diz que o trabalho é um direito social, mas não é qualquer um dos direitos sociais. O artigo 193 diz que a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar, justiça etc. E nos incisos I a XXIV do artigo 7º, constam os direitos dos trabalhadores explicitados. Mas no caput do artigo 7º há o direito dos trabalhadores implicitados pela expressão “além de outros” que visem melhorias de sua condição social. Finalmente, no artigo 186 diz que a função da propriedade rural, que pode se estender a qualquer tipo de propriedade, obedece ao requisito da observância das disposições que regulam relações de trabalho ou exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, para o equilíbrio.
Nesse ponto, o professor conclui que essa prevalência do negociado é inconstitucional, por não levar em consideração esses princípios. Ao converter as normas de ordem pública em normas de ordem privada da legislação do trabalho, esse dispositivo nega os princípios dessa proteção, uma vez que submete o seu conteúdo, a sua vigência e aplicação ao arbítrio das vontades dos celebrantes desses acordos, dessas convenções, que são os sindicatos e as empresas, permitindo qualquer tipo de redução e supressão desses direitos. “A constitucionalidade dessa prevalência fica balançada”, destacou.
Uma segunda questão levantada foi a inversão do escalonamento constitucional das fontes do direito. Ponderouleiseletras17.11.176.jpg que as normas jurídicas não formam um amontoado, mas sim um conjunto de normas ordenadas hierarquicamente. Ao considerar as normas das convenções e acordos superiores às normas legais, interpõe-se entre a Constituição e as leis uma fonte que a nossa Constituição ignora. O artigo 59 da Constituição fala do processo legislativo, processo de elaboração das leis: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos. “Onde estão as convenções? Onde estão os acordos coletivos? Estão lá embaixo, no pé da pirâmide, como instituidores de normas individuais como são também as sentenças e os demais contratos”, registrou, acrescentando: “Essa subversão da hierarquia constitucional, essa prevalência, assim lida, entendo que não dá para ser sustentada do ponto de vista da Constituição vigente”.
Outro ponto que trouxe à reflexão é que ele entendeu que essa prevalência do negociado seria inconstitucional porque viola um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a soberania. Como explicou, soberania é o poder que emana do povo, que o exerce diretamente ou através de seus representantes eleitos. Segundo lembrou o professor, os sindicatos e empresas não foram investidos pela Constituição Federal para exercer essa soberania em nome do povo e, portanto, não podem editar normas superiores às normas legais emanadas dos representantes eleitos pelo povo.
Uma quarta questão de inconstitucionalidade levantada é que essa prevalência do negociado feriria o artigo 22 da Constituição Federal, pelo qual compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho, cabendo ao Congresso Nacional, segundo o artigo 48 dispor sobre todas as matérias de competência da União. “Ora, não têm os sindicatos e empresas poder jurídico de editar normas de direito do trabalho com força de lei, ou com mais força do que a própria lei, ou, mais ainda, contrária a ela”, constatou, acrescentando ser inviável fazer um direito coletivo do trabalho, harmônico com a Constituição em vigor, com normas emanadas de convenções e acordos coletivos do trabalho.
A quinta questão passada pelo professor para discussão foi a da indelegabilidade do poder. Ou seja, os poderes não podem ser delegados. “Como é que o poder legislativo pode dar aos sindicatos e às empresas o poder de ditar normas acima das suas próprias leis?”, frisou, apontando ser isso uma delegação que só o Poder Constituinte poderia fazer.
Uma sexta questão, que atinge diretamente a Justiça do Trabalho, é a previsão no parágrafo 1º do artigo 611-A de que: No exame da convenção coletiva e do acordo coletivo a Justiça do Trabalho “observará”. Ou seja, uma clara imposição do Poder Legislativo ao Poder Judiciário. Por sua vez, consta do inciso 3º do artigo 8º que “No exame dos negócios jurídicos a Justiça do Trabalho analisará ‘exclusivamente’ a conformidade dos elementos essenciais”. Ou seja, segundo o palestrante, praticamente questões de natureza formal.
O professor questiona se esse dispositivo não violaria a competência constitucional da Justiça do Trabalho. Lembrou que o inciso III do artigo 114 da Constituição prevê que a Justiça do Trabalho tem a atribuição para processar e julgar, sem qualquer restrição: III - as ações sobre representação sindical entre sindicatos (Convenções coletivas de trabalho), entre Sindicato e Trabalhadores (acordo coletivo de trabalho) e entre sindicatos e empregadores (acordo coletivo de trabalho). Como o Poder Legislativo pode impor à Justiça do Trabalho excluir juízos de mérito dessas convenções. A Constituição pode fazer, a lei não”, enfatizou. No último inciso do artigo 114 consta que a Justiça do Trabalho poderá tratar de “outras controvérsias na forma da lei”. Neste caso, aí sim, entende que poderia haver restrição ao juízo judiciário.
E uma sétima questão de inconstitucionalidade reside, no seu modo de entender, no parágrafo 2º do artigo 611-A: “A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva não ensejará nulidade”. Aqui ele observa que o que pode ensejar a nulidade do negócio jurídico é a injustiça comutativa. Vale dizer, é a desproporção entre prestação e contraprestação. Isto existe no Direito Civil, como lesão, estado de perigo, etc. Mas não a simples existência de expressa indicação. “Não é porque não foi indicado expressamente que a Justiça declararia a nulidade. Isso nunca foi julgado assim”, ponderou. Voltando ao “não ensejará a nulidade por caracterizar um vício”, entende que, ao não negar a ilicitude de negócios jurídicos exploratórios, em que não há equivalência de prestações e contraprestações, esse preceito atenta contra o simples bom senso e a forma mais banal, mais precisa e mais inquestionável de justiça, que é a justiça comutativa. Como exposto, viola a finalidade última do Estado Democrático de Direito, que se destina a assegurar, dentre outros, os valores supremos da igualdade e da justiça (está no preâmbulo da Constituição) constituindo um dos objetivos fundamentais da República. “Como é que, diante de um negócio jurídico de prestações desproporcionais, o Judiciário vai se calar?” questionou, lembrando que o Direito existe para realizar justiça e a Justiça existe para realizar o Direito. De todas, a justiça comutativa é a mais elementar. É uma simples questão de bom senso, avaliou o professor.
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Desembargadora Rosemary Pires e Professor Arnaldo Barbosa. (Foto: Juliana Christo)
Por último, deixou a seguinte mensagem, para reflexão e debate: “São inconstitucionais todas as regras jurídicas que suprimem e reduzem direitos dos trabalhadores, direito material, direito processual, porque ferem o princípio matriz, que dá luz a outros princípios do Direito Trabalho, da ordem social constitucional, que é o princípio da proteção do trabalhador”.

“É por isso que eu me tornei uma ex-presidente do Parlamento, por que me recusei a violar o mandato do povo, me recusei a sujeitar o povo a mais austeridade e medidas anti-sociais para pagar uma dívida que não tinha como pagar”

Convidada pela Escola Judicial para uma palestra no TRT-MG sobre “Democracia, Soberania, Sistema da Dívida na Grécia e Impactos nos Direitos Sociais”, em evento realizado no último dia 10 de novembro, a advogada, jurista e ex-presidente do Parlamento Grego, Zoe Konstantopoulou, iniciou sua exposição dizendo como se sente honrada e feliz com a sua participação no evento e da importância de “falarmos uns com os outros para trocar nosso conhecimento, nossa experiência e nos unirmos na luta pela democracia, pelos direitos sociais e por liberdade”.
Em uma breve apresentação de sua história, a jurista e advogada registrou que, em 2012, decidiu que tinha que fazer algo pelo seu país, a Grécia, que estava, então, atolada em um sistema de dívida pública, o qual é tema de sua palestra. Foi quando resolveu utilizar suas habilidades e conhecimento jurídicos, assim como tudo o que estivesse ao seu alcance, para livrar o país da dívida. Assim foi que, desde 2012, envolveu-se na política central na Grécia, tendo sido eleita membro do Parlamento, até que, em 2015, foi eleita Presidente do Parlamento Grego.
Ela explicou que, naquele momento, o povo grego votou no partido ao qual ela pertencia para eliminar e impedir o sistema de pagamento da dívida pública, conhecido como regime de “Memorandos”. Mas, infelizmente, a vontade do povo não foi respeitada. Em 2015, o povo grego deu uma grande oportunidade ao governo e ao mundo todo, protagonizando uma verdadeira reviravolta no processo: Eles votaram ‘não’ para o pagamento de uma dívida que não era deles, que eles não criaramAssim, eles deram um mandato ao partido eleito para impedir as medidas de austeridade e as medidas anti-sociais que foram impostas ao país e ao povo através do sistema de dívida. Mas, a população da Grécia foi traída pelo governo que violou o seu mandato e decidiu que o povo deveria continuar a pagar por essa dívida. “É por isso que eu me tornei uma  ex-presidente do Parlamento, por que me recusei a violar o mandato do povo, me recusei a sujeitar o povo a mais austeridade e medidas anti-sociais para pagar uma dívida que não tinha como pagar” – completou a palestrante.
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Foto: Thiago Soraggi
Zoe lembrou que, em setembro de 2015, o Parlamento Grego foi obrigatoriamente desmontado, de forma inconstitucional. Então, todos aqueles que defendiam o mandato popular ou o “não” do povo grego ao pagamento da dívida, não tiveram tempo para realmente formar uma contra força:. “Nós formamos um partido da noite para o dia para participar das eleições, mas isso não foi suficiente para entrar no Parlamento e conseguir defender o nosso povo” – destacou.
A advogada revelou que aceitou o convite para participar do evento realizado no TRT-MG, não apenas em virtude de sua condição de ex-presidente do Parlamento Grego, mas, principalmente, como cidadã grega que não desiste e, em segundo lugar, como a chefe de um novo movimento formado na Grécia depois de abril 2016, denominado “O caminho à liberdade” (Cross to Freedom): “Esse movimento foi construído para trazer de volta a soberania popular. Eu estou aqui com Diamantes Caramastazes, que é uma pessoa muito importante nesse movimento, responsável por muitas atividades que têm a ver com a desobediência ao governo para defender o povo, defender o nosso Não e a nossa dignidade, representando, também, o papel de artistas e de intelectuais na luta contra o sistema de dívidas” – acrescenta.
A palestrante fez questão de registrar que a Grécia e o Brasil vivem, atualmente, momentos parecidos, sendo importante refletir sobre o que pode ser feito a respeito. Ela lembrou que a Grécia, desde 2010, tem sido vítima de um crime que se chama ‘Sistema Memorandos’, imposto ao país para o pagamento da dívida pública. Segundo explicou, esse crime consiste em impor aos cidadãos o custo de uma dívida que eles não criaram e que também não existe em razão de serviços ou benefícios públicos destinados ao povo grego: “A dívida pública da Grécia está intimamente ligada à gestão governamental e à corrupção em grande escala, envolvendo não só o governo grego, mas também governos e empresas de outros países, escândalos bancários e, finalmente, a União Europeia e o FMI”, lamenta a jurista.
A verdade escondida por trás da dívida pública Grega: O sistema de “Memorandos” imposto ao país para o pagamento da dívida e suas trágicas consequências para a população
Prosseguindo, ela conta que, em 2010, o povo grego foi informado de que o país possuía uma grande dívida pública e que os cidadãos teriam que fazer sacrifícios para salvar o país. O ministro das Finanças propagou que a economia da Grécia estava afundando e o governo do qual ele era membro, eleito pela força do poder econômico, firmou um acordo, conhecido como “Memorandos”. Esse “trato” foi realizado entre o governo grego e três instituições: o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. “Mas, na realidade, havia uma quarta instituição, criada apenas naquele momento, a FFS - Instalação da Estabilidade Econômica, embora isso nunca tenha sido dito de forma clara ao povo”, protesta a ex-presidente do Parlamento Grego. Segundo explicou, esse acordo (Memorandos), basicamente, dizia que os credores da Grécia – a União Europeia, o FMI, o Banco Central Europeu e a FFS – dariam dinheiro ao Estado para o pagamento da dívida pública. Em contrapartida, o país teria que implementar uma série de leis e medidas, para possibilitar o pagamento da dívida e a recuperação do nível social e econômico.
A partir daí, conforme revela a palestrante, as três instituições com as quais o governo grego estava concluindo o acordo de “Memorandos”, conhecidas como “Troika” (trinca), começaram a editar as medidas impostas ao país que, de forma trágica, nas palavras de Zoe Konstantopoulou: “desmantelaram totalmente as leis trabalhistas e as relações de trabalho, destruindo o estado de bem-estar social e qualquer coisa que garantisse aos cidadãos gregos os direitos fundamentais, como educação, saúde, seguridade social e até mesmo o direito à vida.”.
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Foto: Thiago Soraggi
A jurista ressalta que tudo isso foi resultado dessas medidas que acabaram sendo aprovadas, com muita repressão por parte da polícia, contra aqueles que protestavam contra o desmantelamento desses direitos. “As consequências foram catastróficas, um verdadeiro desastre para o povo para Grécia, que, desde 2010, sofre com o desemprego. A taxa de desemprego que estava em 7.8 por cento em 2008, agora está em torno de 30%, chegando a até 62% para os jovens e 72% para as mulheres”, destaca. Ela conta, ainda, que foram fechadas 300.000 pequenas empresas nos primeiros de 4 anos dessa depressão: “Meio milhão de jovens cientistas saíram do país, desesperados pela total falta de perspectiva de conseguir um emprego, cuidar de suas famílias e planejar um futuro. A maior parte da população foi privada de direitos humanos básicos. Também houve a liquidação completa da propriedade pública do país, das principais ferramentas da população, ou seja, dos aeroportos, portos, das empresas de eletricidade e de água, dos locais culturais, arqueológicos, os locais ambientais, praias, prédios históricos, qualquer coisa de valor histórico. E a esperança do povo também se tornou um objeto de liquidação, tudo isso foi feito como medidas para pagar a dívida”.
Lembra a advogada que, naquele período, houve uma estratégia de terrorismo midiático contra o povo, quando, então, a principal mídia do país bombardeou o povo com ameaças no sentido de que se a Grécia não continuasse a pagar essa dívida o país iria quebrar e todos morreriam:. “Ameaçavam o povo grego, dizendo que se eles não se sujeitassem àquele regime opressivo o caos chegaria. Tudo isso com uma estratégia constante de esconder qualquer alternativa, ferramentas e dados que pudessem ser utilizados para defender os cidadãos contra esse regime de Memorandos”, contou.
A “Comissão da Verdade” e a realidade revelada: “Os bancos foram poupados, o povo foi condenado!”
Sobre essas ferramentas utilizadas em defesa do povo grego, a expositora conta que, em 2015, foi criada pelo Parlamento Helênico uma ‘Comissão da Verdade’, que realizou auditoria da dívida pública. Conforme destaca, essa foi a primeira e única comissão no solo da União Europeia que, de fato, decodificou a dívida, revelando a verdade de como ela havia sido criada. “A comissão produziu conclusões preciosas. Seu relatório, de junho de 2015, mostra que a dívida da Grécia não consegue ser paga e não vai ser, estando ligada a práticas ilegais dos chamados ‘credores’. Revela ainda que 92% do dinheiro supostamente entregue à Grécia como empréstimos nunca foi mandado para qualquer destino grego, indo diretamente para os credores. E mais: que só 8% do dinheiro acabou em alguma conta do Estado da Grécia”, revelou. Zoe acrescenta que o relatório também torna claro que dívida grega é o resultado da corrupção em grande escala e da manipulação das estatísticas pelo governo da Grécia, juntamente como a Agência de Estatística Europeia.
Continuando a falar sobre o importante trabalho desenvolvido pela “Comissão da Verdade”, a palestrante ressalta que o relatório também demonstrou que, desde 2010, ou seja, desde o primeiro momento em que a Grécia foi submetida ao regime dos credores, “entre eles o FMI, que vocês conhecem muito bem”, eles (os credores) tinham conhecimento de que essas medidas, a longo prazo, trariam recessão ao país: “O FMI sabia que as medidas impostas ao país resultariam na miséria da população e na ruptura do tecido social, como, de fato, ocorreu. O FMI tinha conhecimento de que as reformas causariam danos à população e, apesar disso, escolheu trazer esses danos”, lamentou a ex-presidente do Parlamento Grego.
A expositora destacou a importância de que esses fatos apurados pela Comissão da Verdade sejam revelados e discutidos no Brasil, especialmente no TRT mineiro: “Essa discussão aqui é muito importante! Vocês sabem muito bem o que é o FMI!”, registrou e lançou o questionamento, seguido da resposta lacônica: “E por que o FMI e a União Europeia decidiriam causar tantos danos à população grega? Eu diria que pelas mesmas razões que decidiram trazer grandes danos à população brasileira nos anos 80, assim como para muitos países da América Latina e, durante a década de 2010, para três outros países: Irlanda, Chipre e Portugal. Por dinheiro, por poder, para garantir que uma minoria privilegiada governe a maioria, assegurando-lhes ganhos cada vez mais altos em cima da miséria do povo”
Segundo Zoe Konstantopoulou, o trabalho na Comissão da Verdade comprovou que o Memorando imposto para o pagamento da dívida pública da Grécia, aliás, uma dívida ilegal, não teve o objetivo de salvar o povo, mas o sistema bancário, especificamente os bancos franceses e alemães que, em 2010, tinham dezenas de milhões de euros em títulos gregos e, também, os bancos privados gregos em 2012: “E tudo isso às expensas do povo que continuava a sofrer e até morrer. Crianças, idosos, pessoas de todas as idades morriam pelas péssimas condições de vida e tudo isso foi perversamente calculado como resultado das medidas impostas à população. Os bancos foram poupados, o povo foi condenado!” – lamentou, mais uma vez, a jurista.
Brasil e Grécia e o desmantelamento dos direitos sociais - “Eventuais semelhanças não serão meras coincidências”
Na ótica da expositora, o que é mais terrível, além de tudo isso, é que o sistema de memorandos para o pagamento da dívida pública ainda continua a ser imposto ao povo grego! E, nesse ponto, ela faz uma importante reflexão, traçando um paralelo, entre a situação vivida pela Grécia e momentos bastante parecidos vividos pelo Brasil e pelos demais países da América Latina: “Eu digo sempre que, se nós, na Grécia, soubéssemos o que tinha acontecido no Brasil e na América Latina nos anos 80, estaríamos muito melhor preparados para nos defender desse regime perverso!”
Exatamente por isso, Zoe acredita ser muito importante que os brasileiros saibam o que está acontecendo na Grécia. Na sua ótica, no momento atual, esse sistema está sendo importado para o Brasil, com o desmantelamento dos direitos sociais, inclusive com a alardeada “dívida da Previdência Social” e da “Reforma da Previdência” que será submetida ao Congresso. “Por enquanto, é um projeto de lei que ainda não foi aprovado. Por isso, gostaria de ressaltar a importância da luta da Dra. Maria Lúcia Fattorelli (coordenadora da organização brasileira da Auditoria da dívida pública) e dizer que vocês têm muita sorte em tê-la lutando ao lado do povo brasileiro contra todo esse esquema. Mas, a verdade é que muito ainda precisa ser feito”, provocou a palestrante.
As duras conclusões
Diante dos fatos apresentados, a jurista fez duas observações: A primeira, segundo suas próprias palavras, “é dar às coisas a sua verdadeira dimensão”. Ela conta que, recentemente, deparou-se com um aviso muito importante feito por uma especialista independente das Nações Unidas sobre dívida pública e direitos humanos. Esse anúncio fazia um paralelo entre populações sendo levadas à pobreza pelo sistema de pagamento de dívidas públicas e empresas prosperando pelo não pagamento de impostos e métodos de isenção. E a revelação é que as duas coisas estão intimamente ligadas! “Existe um sistema global internacional de não pagamento de impostos por parte de grandes empresas às expensas do povo que tem de pagar a conta. A população se vê obrigada a arcar com impostos para pagar uma dívida que não foi criada pelo povo. Enquanto isso, o governo, as empresas e os bancos continuam a operar através de um grande esquema montado para lhes assegurar cada vez mais lucros e ganhos ilegais, aumentando cada vez mais a dívida pública. Está na hora de falar sobre os responsáveis por esse esquema, está na hora de darmos nomes aos bois! - protesta a ex-presidente do Parlamento Grego.
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Foto: Thiago Soraggi
Zoe alerta que a Grécia foi afundada na dívida pública e os responsáveis por isso ainda têm a ousadia e ameaçar e oprimir a população Grega. “Eles foram os agentes de um crime econômico contra a Grécia!” – enfatiza.
O triste papel da União Europeia
Nas palavras da jurista, essa máfia chamada União Europeia, que ousou falar com o povo grego com ameaças para que votassem “sim” para mais medidas de austeridade e “sim” para mais miséria, utilizando mecanismos para distorcer a realidade, estava então personificada por aquele que, há 30 anos, foi o ministro de Finanças e primeiro-ministro de Luxemburgo, um país que criou um paraíso fiscal, um lugar livre de impostos onde bilhões de euros de impostos foram perdidos pela Grécia. O bloco também estava representado pelo Ministro de Finanças da Holanda, outro país que se tornou um Paraíso Fiscal às expensas da Grécia, com dezenas de bilhões de euros perdidos e não pagos em impostos por empresas multinacionais que operam na Grécia, mas nunca pagaram seus impostos. “Essas são as pessoas que ameaçaram a população grega com morte, com desastre humanitário, se não votassem ‘sim’ pelas medidas de austeridade. Bom, mas o povo grego votou ‘não’. O povo grego resistiu e mostrou que eles são muito mais corajosos do que o seu governo. Mas o ‘não’ deles foi violado e provo grego foi traído” - explicou.
A advogada frisou que o principal motivo de sua exposição é justamente dizer aos brasileiros que essa história não acabou e que na medida em que se consegue identificar como opera o sistema de dívida pública, como ele funciona, na medida em que se descobrem as ferramentas para defender o povo contra as violações dos seus direitos fundamentais, temos o dever de resistir e de não nos entregar ao sistema de opressão imposto ao povo: “Esse é o nosso dever: resistir, lutar, reagir. Nosso dever é desobedecer, é recusar, enquanto povo soberano, a pagar essa dívida. A nível universal e internacional, também temos o dever de nos unir, para assegurar, através da solidariedade e de ações comuns, que a soberania do povo prevaleça sobre o mercado, sobre o sistema bancário e sobre essa máfia internacional que mantém o poder das oligarquias e suprime a Democracia com a violação dos direitos humanos e do voto popular” – enfatizou a palestrante.
Concluindo, Zoe Konstantopoulou lembrou que, na Grécia, houve uma iniciativa importante chamada “Justiça para Todos”: “Trata-se de uma iniciativa para assegurar ao povo o direito de se defender contra o crime cometido através do sistema de pagamento da dívida pública, assim como os vários outros crimes que são facetas desse mesmo crime e que envolvem a corrupção, o comércio ilegal e métodos ilegais de não pagamento de impostos”. Tudo isso, alerta a palestrante, resulta na verdadeira aniquilação da democracia. “Mas a nossa mensagem universal de unidade contra o sistema de dívidas públicas vai ser ouvida de forma clara nos próximos meses, nos próximos anos, na medida em que nos organizarmos, nos unirmos, desobedecermos e resistirmos, até que sejamos vitoriosos!” – arrematou.
Debates: após a palestra, houve um painel em que convidados repercutiram a fala da palestrante. Acompanhe:
Prof. Fernando Gonzaga traça paralelo entre crises grega e brasileira
O professor Fernando Gonzaga Jayme, que também é diretor da Faculdade de Direito da UFMG, traçou um paralelo entre a crise grega e o momento vivido pelos trabalhadores no Brasil. Para ele, assim como na Grécia, o cenário nacional é de violação e de negação de direitos sociais básicos e de desmantelamento e desmonte do patrimônio público. “Tudo em nome do pagamento de uma dívida para a qual o povo brasileiro não contribuiu, simplesmente porque não usufruiu desses recursos”, lamentou.
Gonzaga Jayme chamou atenção para a importância de se conhecer essa realidade, inclusive no meio acadêmico, para que se possa transformá-la, já que isso atinge, mais dramaticamente as camadas mais baixas da população, comprometendo a própria democracia.
Prof. Onofre Alves: capital internacional exige destruição de direitos sociais
Para o professor e advogado-geral do Estado de Minas Gerais, Onofre Alves,  a realidade narrada por Zoe Konstantopoulou não é tão nova: “Nós vivemos no Século XIX um mundo Colonial onde, talvez, o processo tenha sido mesmo. O pós-guerra dividiu o mundo num terreno baldio composto por Nações e as explorações continuaram, só que com outro formato”, destacou, referindo-se aos empréstimos concedidos pelo FMI e o Banco Mundial para que as nações pudessem se reconstruir, mas com taxas altas, que as tornaram dependentes do capital financeiro. Detalhe: para os países de Terceiro Mundo, a política do Banco Mundial era a de, pretensamente, “deixar o bolo crescer para depois distribuir”, política adotada no Brasil e que aprofundou drasticamente a desigualdade social que já grassava por aqui.
Nesse contexto, o dinheiro emprestado não podia ser transformado em direitos sociais, já que se tratam de empréstimos bancários que precisavam ser pagos a juros elevados. Tudo isso fez com que o próprio FMI e o Banco Mundial apoiassem uma política militarizante nos países subdesenvolvidos, para conter a demanda popular e evitar que o povo se mobilizasse por direitos sociais, registrou o professor.
“Talvez o processo que nós assistimos hoje seja um tanto quanto similar ao que nós já vivemos na década de 60, como política de contenção de demanda por direitos sociais”, reflete o debatedor. Ele citou um exemplo típico ocorrido no Brasil: O dinheiro para a construção das Teles e da CSN nos foi emprestado a altíssimo custo pelo capital internacional. Posteriormente, os mesmos donos do capital retornam para que se façam privatizações e eles possam comprar as ações dessas empresas e explorar a demanda interna, num processo de migração de capital que ele chama de “o outro Leviatã”.
É dessa forma, de acordo com o professor, que essas montanhas migrantes de capital vão para a Grécia, para o Brasil: “Vão especular. Querem lucro e, para isso, destroem direitos sociais, legislações trabalhistas, tudo para abrir caminho para o capital migrante! É como se se estabelecesse um equilíbrio no Estado Social: capital e trabalho, com Estado no meio. Na medida em que o capital é migrante, o Estado quer atrair o capital e, para isso, propõe a destruição da legislação trabalhista, da legislação tributária, etc. Com isso, há o desmonte do próprio Estado, para que novamente venha o capital internacional”, denuncia.
Para finalizar, o advogado-geral do Estado faz um desabafo: “É nesse contexto, nesse formato, que enxergamos hoje, com obviedade, a destruição do mundo do trabalho. Temos uma dívida forjada. Temos empréstimos que foram comidos pela corrupção organizada. Temos uma elite nacional que se apropriou das rendas e temos todo o capital internacional, com todo o interesse em manter o modelo. Vivemos um momento similar à Grécia, com um detalhe: já passamos por essa exploração. O meu medo é que a estratégia a ser usada no mundo subdesenvolvido seja ainda pior!”.
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Foto: Thiago Soraggi
Maria Lúcia Fattorelli: desmontando o mito da dívida pública
Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da dívida (uma associação sem fins lucrativos sediada em Brasília, que visa a esclarecer para o povo brasileiro o que é o sistema de dívida pública)Maria Lúcia Fattorelli destacou que a história da dívida no Brasil é de criminalidade. “Criamos a expressão ‘sistema da dívida’ para diferenciar do termo ‘endividamento público’, que é aquilo que aprendemos nos livros. Analisando documentos primários, vimos que as dívidas das empresas, passivos dos bancos são transformados em débitos que todos têm que pagar. E tudo isso com a desculpa de controlar a inflação”, registrou.
Fattorelli, que foi integrante das Comissões da Dívida do Equador e da Grécia,  acrescentou que, nesse momento, a instituição que representa está travando uma luta contra os projetos de lei no Congresso Nacional que querem legalizar um esquema financeiro fraudulento que está entrando no Brasil, mascarado como securitização de créditos. Ela explicou que, em seu trabalho como coordenadora da “Auditoria Cidadã da Dívida”, pôde perceber que, em 2015, ou seja, no ano em que a maior crise da história se aprofundou no Brasil, tivemos um aumento da dívida interna da ordem de 732 bilhões de reais. E isso aconteceu pelo excesso de emissão de títulos da dívida para os bancos, para lhes dar tranquilidade, tendo sido emitidos além do necessário mais de 400 bilhões de reais em títulos, gerando um passivo de juros enorme para o Banco Central, que acumulou um prejuízo de 90 bilhões de reais. Conforme ressaltou a debatedora, o Banco central banca o risco da variação do dólar para especuladores, o que gera um prejuízo absurdo ao país e consequentemente o aumento da dívida pública.
Esclareceu Maria Lúcia Fattorelli que, embora a dívida pública estivesse em 732 bilhões de reais, apenas 9,6 milhões foram gastos em investimentos para a população:. Todo o resto foi para pagar os juros extorsivos decorrentes da emissão exagerada de títulos aos bancos e os custos assumidos pelo Banco Central com a variação cambial”, destacou. E o que aconteceu com a nossa economia em 2015? - Perguntou. E respondeu: “O desemprego recorde, em que 14 milhões de brasileiros e brasileiros perderam seus empregos e ficaram no desespero, enquanto mais de 64 milhões caíram na informalidade. Se somarmos isso são 78 milhões de brasileiros e brasileiras na informalidade e no desemprego”.
Prosseguindo, a debatedora denunciou a falácia de que dívida exige “sacrifícios sociais” e, por isso, empurram a reforma da previdência para cortar ou adiar direitos, a reforma trabalhista para cortar direitos dos trabalhadores duramente conquistados e, para gerar ainda mais lucro, vêm as privatizações, com a  entrega de patrimônio público:  “todas as privatizações, desde Collor, foram destinadas a pagar a dívida pública. Estamos privatizando a Eletrobras, a Casa da Moeda, todos os portos e aeroportos, tal foi feito na Grécia”, alertou.
Fattorelli frisou que a dívida pública, da forma em que é gerada, não pertence ao povo brasileiro, não decorre gastos com a população. Esclareceu ainda que, no mesmo ano de 2015, em que houve tanto sacrifício social, com o encolhimento econômico, inclusive o encolhimento do PIB, os bancos tiveram lucros 20% superiores ao ano de 2014,  atingindo 96 bilhões de reais: “Esse gigante Brasil, o país que tem nióbio, um dos minerais mais estratégicos do planeta. O Canadá tem 2% do nióbio do mundo e como isso garante saúde e educação de graça de qualidade para toda a sua população. O Brasil tem 98% do nióbio do planeta, tudo contrabandeado, além de mais de 55 minerais estratégicos. Tem petróleo, a terceira maior do planeta, tem a maior área agricultável, a maior reserva de água potável, tem clima favorável e uma extensão territorial Continental, em que falamos o mesmo idioma, o que também é um patrimônio! Mas nós não vivemos nessa realidade de abundância. Vivemos num cenário de escassez”, desabafou a coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.
Para finalizar, Fattorelli alertou que há projetos de lei à espera de aprovação no Congresso Nacional que legalizam esse sistema fraudulento de formação da dívida pública. Ao mesmo tempo, novas empresas estão sendo criadas para operar esse esquema financeiro fraudulento. E arrematou:“É preciso acionar a classe política, entrar em contato com parlamentares, senadores e deputados, para que acessem o site da “Auditoria Cidadã da dívida” (auditoria cidada.org.br) e também a página da Auditoria Cidadã da Dívida no Facebook. Lá existe uma carta de repúdio à aprovação de projetos que todas as pessoas podem acessar e integrar. Não podemos permitir a legalização desse esquema financeiro perverso no nosso país, que agrava ainda mais o sistema da dívida, aprofundando dramaticamente o cenário de escassez”
Adv. Sarah Campos: crise do Estado ou Estado da crise?
A advogada, doutoranda na universidade Lisboa e coordenadora de relações institucionais do programa de apoio relações de trabalho da  PRUNART-UFMG, Sarah Campos trouxe para o debate a seguinte questão: “Será que estamos vivendo uma crise do Estado ou o Estado da crise? Será que o Estado social é mesmo insustentável?” Ela revelou que estudou os chamados “memorandos” em Portugal, já que o país, assim como a Grécia, também aderiu a esse sistema para receber empréstimos e, em troca, teve que adotar algumas diretrizes, como corte de pessoal na administração pública. “E isso também já chegou ao Brasil”, alertou.
Segundo ressaltou, muito se fala sobre o modelo de estado social em crise, sobre as dificuldades de se manter uma administração pública prestadora de serviço. Mas, indagou se realmente vivemos uma crise do Estado social, de uma administração pública gorda e pesada, que não suporta mais o peso da implementação dos direitos sociais, como a Previdência, a legislação trabalhista protetiva, ou se vivemos um “estado da crise”, nas palavras da advogada: “dessa crise forjada para, na verdade, sustentar um esquema de benefício e lucros no setor financeiro”, o que pode revelar também um problema de gestão e prioridades.
De acordo com Sarah Campos, não há dúvidas: “Estamos, na verdade, vivendo um “estado da crise” no Brasil”. Nesse ponto, ela lembrou que a Emenda Constitucional nº 95/2016, já aprovada no Congresso e que estabelece um limite especial para os gastos públicos em todos os poderes, inclusive, para despesas obrigatórias com saúde, educação, previdência, assistência social e cultura. “Entretanto, essa mesma PEC não limita as “despesas financeiras” decorrentes do pagamento de juros e encargos da dívida pública”, explica, concluindo que, sendo assim, a PEC do limite dos gastos públicos foi criada justamente para garantir o pagamento dos juros e dos encargos da dívida pública. “É isso o que essa PEC faz. Ela congela a estrutura social do nosso país, impede investimentos, inclusive desconsiderando o crescimento populacional, impedindo que novos gastos sejam feitos na educação e na saúde”, lamenta a coordenadora das relações institucionais do PRUNART.
Ela lembra, ainda, que Portugal, da mesma forma como acontece atualmente com a Grécia e com o Brasil, viveu momentos difíceis com a dívida pública. “Na época, muitos direitos sociais forma suprimidos, principalmente dos servidores públicos, que chegaram até a ter seus salários reduzidos, apesar da Constituição portuguesa também vedar a redução de salários”. Mas acrescentou que, graças a um controle forte de constitucionalidade feito pelo judiciário português, algumas dessas medidas foram revertidas, inclusive quanto à perda salarial dos servidores públicos, que acabou sendo revista.
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Foto: Thiago Soraggi
No caso do Brasil, em que muitos direitos sociais têm sido suprimidos, Campos se mostrou preocupada, já que, na sua ótica, o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro não é tão ágil como o de Portugal, para que se possa ter alguns freios. Mas, finalizando, Sarah Campos afirma ter esperança de que nossos tribunais adotem algumas medidas para fazer respeitar a Constituição, já que, “infelizmente, o Congresso não está conseguindo representar o desejo da sociedade brasileira”, concluiu.

MOMENTO DE MEDITAÇÃO