Palestrante 1: Carolina Tupinambá
A advogada Carolina Tupinambá iniciou sua exposição citando a teoria do evolucionista Charles Darwin, no sentido de que não são os mais fortes que sobrevivem, mas os mais adaptados. Como mencionou, estamos diante de uma alteração de paradigma que divide opiniões. Citou, por exemplo, que o parecer do MPT e da OAB, assim como a carta de 17 ministros do TST, foram contra a reforma; por outro lado, a carta do ministro Ives Gandra foi a favor.
No entanto, a palestrante considera mais adequado o caminho do meio, no qual há mais tolerância. Afinal, o objetivo comum é da dignidade do trabalho humano e o incentivo da livre iniciativa porque ambos estão elencados no mesmo inciso III do artigo 1º da CF/88. Sobre a mudança, ela expôs que temos mesmo muita dificuldade. A resistência exige criatividade, mas também precisamos ser capazes de imaginar o quanto que pode ser bom experimentar um novo perfil de relação de trabalho. E embora tenha ressaltado não ser totalmente favorável à reforma em alguns pontos, vê com muito bons olhos. “A reforma é a consolidação desse mundo mais aberto, no qual não há somente o vilão e o mocinho”, expressou.
Mudança: origem e importância. Para melhor entendimento dessa mudança, a palestrante fez menção às reformas havidas em Portugal em 2009 e na Espanha em 2012. Afirmou que apesar de muitos dizerem que não foi tão bom assim como se esperava, com resultados negativos e até mesmo trágicos, ela teve acesso a pesquisas que levaram a conclusão em sentido oposto, de que realmente as reformas têm aumentado a competitividade e diminuído o índice de desemprego no panorama mundial.
Criação de oportunidades: Para a advogada, a reforma tem esse ponto positivo que é a criação de melhores oportunidades. “Lei nenhuma faz milagre; o que faz milagre, na verdade é a criação de oportunidades. Aproveitem a crise! Crise é igual oportunidade. Não vamos perder essa chance de que exista um cenário melhor daqui para a frente”, incentiva a palestrante.
Novas relações de trabalho: A relação de emprego, no formato que conhecemos, não vai mais acontecer, de acordo com a palestrante. E cita exemplos de pessoas que ganham a vida como “gamers”, inventando jogos e ganhando fortunas! Nesses novos moldes, cartão de ponto vai virar peça de museu, jornada de trabalho delimitada e separada da vida pessoal não farão mais sentido. Menciona a Geração Y, que está mais em busca de realizações pessoais no trabalho. As novas gerações não admitem mais jornadas impossíveis com salários miseráveis. As pessoas hoje estão em busca de outras referências: trabalhos cooperativos, criativos, que demandam uma vocação laboral mais sensível e mais complexa.
Inconstitucionalidades: Outro ponto abordado pela palestrante é o das alegadas inconstitucionalidades na reforma. Nesse sentido, ela cita o relatório da OAB, do MPT, da ANAMATRA. Mas na sua opinião, a reforma não é inconstitucional, considerando que, numa sociedade pluralista, é normal que as pessoas não tenham consenso sobre os problemas. A função da democracia não é o consenso, mas conseguir mecanismos eficientes para administrar essas diferenças, pontua. Na sua percepção, o discurso da inconstitucionalidade acabou sendo muito politizado. Entende que a inconstitucionalidade ocorre quando a situação está totalmente inconciliável com o que preconiza a constituição. E as leis gozam de uma presunção de constitucionalidade e a reforma representa a maioria parlamentar, já que foi aprovada por 50 votos contra 23.
Vedação ao retrocesso: Quem fala em inconstitucionalidade, fala em vedação ao retrocesso, conceito construído no direito alemão e que ficou muito banalizado, de acordo com Carolina Tupinambá. Como argumentou, na Constituição existem direitos que possuem eficácia limitada, os quais precisam ser regulamentados. E, de acordo com o STF, uma vez regulamentado não se pode simplesmente desregulamentar e voltar ao zero. Mas isso não significa que regulamentar de outra forma seja retrocesso, ressalta a palestrante.
Autonomia coletiva: Nesse ponto, a palestrante citou o RE de Repercussão Geral 590.415, por meio do qual o STF garantiu o respeito à autonomia coletiva, impedindo apenas o que se identificou como parcelas de indisponibilidade absoluta. Mencionou também o ADPF 323, no qual o Supremo reconheceu a soberania da autocomposição coletiva dos conflitos trabalhistas. E, por fim, o RE 895759, no qual essa Corte também afastou a previsão legal para validar o que a autonomia coletiva determinava.
Autonomia individual: Segundo frisou Carolina Tupinambá, a regra é a da liberdade contratual. Apesar do contrato de trabalho ser protegido, as pessoas são dotadas de autonomia e dignidade. Assim, quando a lei não proíbe, não cabe ao Estado proibir. A diretriz é a liberdade. A Constituição não veda compensação de horários, concluiu a palestrante.
Regime 12x36: Esse regime, de acordo com a palestrante, não é inconstitucional. Inclusive o STF se manifestou no sentido de que não é extenuante (ADI 4842 - caso dos bombeiros).
Mas, afinal, o que muda em relação à jornada? A advogada expõe cinco aspectos básicos:
Em relação ao tempo, continuam sendo relevantes para as relações de trabalho: .Tempo efetivamente trabalhado ou à disposição (artigo 4º, caput, da CLT se mantém), tempo em que se aguarda ordens e tempo de sobreaviso (artigo 244 da CLT - que parece cada vez mais difícil de ser caracterizado, segundo a palestrante).
Tornam-se irrelevantes para as relações de trabalho: Tempo em que se busca proteção pessoal (por insegurança ou questões climáticas) e tempo em que se fica na empresa exercendo atividades particulares, inclusive tempo de alimentação, higiene e troca de roupa ou uniforme (quando não houver obrigatoriedade que a troca se dê na empresa); tempo de deslocamento até o trabalho; tempo em que fica aguardando o chamado no contrato intermitente; tempo de trabalho em contrato de teletrabalho; os cinco minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho (limite máximo de 10 minutos diários – Súmula 366 do TST).
Limitação do tempo: É razoável que haja uma limitação, afirmou a palestrante, que não viu qualquer atrocidade na reforma, nesse aspecto. Regra geral: 8 horas diárias e nada impede que existam modelos alternativos. Os contratos especiais continuam valendo, como também: turno ininterrupto, 44 semanais, 12x36 e contrato por tempo parcial (30 semanais ou 26, podendo fazer até 6 horas extras). Fora isso, continua vigente o tempo em que se aguardam chamados (sobreaviso ou prontidão).
Como fica o regime de prorrogação de tempo? Para menores de 18 anos, permanece a restrição (artigo 413 da CLT). Em atividades insalubres, há um obstáculo administrativo (artigo 60 da CLT) que não se aplica ao regime de 12x36 (e aqui, para a palestrante, não há problema de inconstitucionalidade, ao fundamento de que a CF/88 nada fala sobre avisar o Ministério do Trabalho ou não). Cancelada a necessidade de intervalo para mulheres fazerem horas extras. O excesso, além das duas horas, não precisa mais ser comunicado às autoridades. Pode prorrogar até duas horas com adicional de 50%. Para serviços inadiáveis e força maior continuam valendo as regras dos artigos 60 e 61 da CLT.
Como fica a compensação de jornada? Se não ultrapassa a jornada semanal, vai ser devido apenas o adicional. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas. Em hipótese de rescisão, pode compensar. O acordo individual tácito: faz compensação no módulo diário, semanal, mensal (aqui a grande novidade). O acordo escrito abre um leque de 5 possibilidades: módulo semestral do banco de horas e regime de 12x36, sem precisar da anuência do sindicato, com fundamento nos artigos 59 e 59-A. No acordo coletivo, há uma sexta possibilidade: regulamentação dos intervalos, garantido o mínimo de 30 minutos.
Intervalos: Finalmente, em relação ao intervalo, Carolina Tupinambá apontou algumas mudanças, entre elas: limite de 30 minutos e pagamento apenas do suprimido; intervalo para amamentação pode ser negociado por meio de acordo individual; intervalo de 15 minutos para a mulher antes de iniciar jornada extraordinária acabou.
Ao encerrar, a palestrante desejou um feliz Direito do Trabalho novo para todos, acreditando que será um momento de muitas oportunidades no mercado de trabalho brasileiro.
Palestrante 2: Taísa Macena de Lima
Na visão da desembargadora do TRT mineiro, Taísa Maria Macena de Lima, a reforma em questão é fruto da própria construção do Direito do Trabalho, que é a construção do próprio humanismo, e este busca compatibilizar valores ou bens jurídicos como liberdade, igualdade e solidariedade.
Frisando que a construção da CLT se deu sobre o signo da igualdade e da solidariedade, a palestrante esclareceu
que a premissa básica era a de que estávamos diante de sujeitos jurídicos desiguais, sendo necessário proteger predominantemente um para restabelecer a igualdade. Mas, segundo acredita, hoje não estamos mais diante dessa realidade, já que os trabalhadores tem consciência dos seus direitos. Isso porque o ser humano, de um modo geral, tem acesso à informação de um modo que não tinha antes. Diante dessa constatação, no seu entendimento, esse protecionismo pode ser exagerado, sendo necessário um ponto de equilíbrio. E, se de um lado, a desembargadora reconhece que o pêndulo foi demais para o protecionismo, ela teme que o movimento em reação agora possa ir demais para o outro lado.
Pontuando que devemos levar em conta que podemos exercer a autonomia, ela frisa que existem sujeitos jurídicos mais vulneráveis, lembrando que, além do trabalhador, há várias pessoas nessa situação. Citou como exemplo, a vulnerabilidade das pessoas com deficiência, afirmando que o resgate da autonomia dessas pessoas é buscado através do Estatuto das Pessoas com Deficiência.
A magistrada defende que é preciso compatibilizar valores, tais como autonomia e vulnerabilidade, e questiona se podemos resgatar a autonomia do trabalhador em sendo ele vulnerável na relação jurídica. Mas ela relativiza essa posição de vulnerabilidade, lembrando que isso depende da posição que se ocupa em uma relação jurídica. Assim, o empreendedor, todo poderoso dentro de uma relação trabalhista, pode ser o vulnerável dentro de outra relação jurídica (interempresarial, consumerista). Nesse contexto, ela cita o movimento do direito comercial de recodificação, no qual há grande preocupação com o empresário economicamente dependente. E cita como exemplo a situação de um distribuidor que conta com um único cliente. Se o contrato se desfaz, o negócio dele vai à bancarrota. Outro exemplo apresentado seria o caso de um empresário que é um franqueado e depende do franqueador.
Evolução ou retrocesso? Taísa Macena não defende a tese da inconstitucionalidade da reforma como um todo, com base na ideia de retrocesso social, porque essa ideia, na sua ótica, é uma questão ideológica. “Eu vejo pessoas decantarem a reforma como se fosse um grande passo na evolução da sociedade brasileira, das relações humanas e das tensões entre capital e trabalho. E também já ouvi aqui mesmo, nesse auditório, explanações que mostram a reforma como uma espécie de apocalipse now!” – expressou-se a palestrante, esclarecendo que não acredita em nenhuma das duas posições, mas em uma mais ao meio. De todo modo, entende que se trata de uma quebra de paradigma, pois estamos diante de um mundo novo, em que trabalhamos e nos relacionamos de forma diferente. Se será evolução ou retrocesso, só o tempo dirá!
Previsão do Regime 12x36 por meio de acordo individual: A desembargadora frisou que, de acordo com a Constituição, a compensação de jornada depende de acordo ou convenção coletiva, ou seja, depende de negociação coletiva. Contudo, a reforma diz que a compensação pode ser feita por acordo individual escrito em qualquer atividade, inclusive em atividades insalubres. Nesse panorama, ela acredita que trabalhar nesse regime 12x36 sem estar assegurado por negociação coletiva pode criar um passivo trabalhista. E alerta, para quem quer se precaver de surpresas desagradáveis: se a empresa quiser adotar o regime 12x36, é prudente chamar o sindicato para negociar. E justifica seu alerta pela incerteza do resultado de uma decisão sobre a constitucionalidade do artigo que trata dessa questão. Assim, a empresa evita de enfrentar um passivo trabalhista, partindo sempre do pressuposto de que ela está cumprindo a lei. Ela vê a necessidade urgente de o Supremo se manifestar sobre a constitucionalidade ou não do dispositivo que trata dessa matéria, pelo bem da segurança jurídica.
Para a palestrante, essa reforma, em grande parte, é resultado da prática na JT de se interpretarem leis criando direitos não previstos em nenhuma norma. E, na sua ótica, a reforma tenta, justamente, evitar interpretações ampliativas, o que considera importante para a segurança jurídica. Nesse contexto, sua maior crítica à jurisprudência do TST é a criação de direito essencialmente novo. “O direito existe para ser cumprido no dia a dia. O conflito é a doença, é a exceção. Os Tribunais são os hospitais” – expôs a palestrante, lembrando que um empresário sério deve se organizar de acordo com o que diz a lei e não deve ser surpreendido com uma decisão judicial que adote uma interpretação ampliativa que vá gerar um passivo trabalhista.
Acordo individual para compensação de jornada. Outra reflexão que a palestrante traz para o debate é sobre o acordo individual para a compensação de jornada. Pontua, por exemplo, que muitos de seus alunos do turno noturno da faculdade desejam a possibilidade de negociação acerca do intervalo intrajornada. “Mas quantos terão condições de realmente negociar?” – questiona a desembargadora.
Ela esclarece que não vê nenhuma inconstitucionalidade na ideia de acordo individual para compensação de jornada, sendo uma opção do legislador. Mas entende que isso cria, na prática, para o empregador, o direito de decidir de que forma será. Porque, como explicou, não devemos esquecer que o contrato de trabalho é, por definição, um contrato por adesão. O predisponente é o empregador; o empregado aceita. Conclui que não lhe parece tão ruim assim o contrato por adesão, tendo em vista que há técnicas jurídicas para lidar com ele. Segundo expõe, o empregador, na prática vai definir unilateralmente a jornada do empregado no que diz respeito à compensação. Em muitas situações, ela será conveniente ao empregado. Em outras, mesmo não sendo, ele aceitará. Mas, segundo pondera, é normal fazermos concessões na vida para alcançarmos aquilo que queremos.
Na percepção da palestrante, a reforma, no que diz respeito à jornada, não é nociva. Apesar da perda de direitos, como por exemplo, a das horas in itinere, ela entende que essa nova realidade pode estimular empresas a se instalarem no Brasil, ao invés de buscarem outros lugares. Já em relação à constitucionalidade, ela entende que a questão é mais delicada: não é só questão de conveniência; é uma questão de Estado Democrático de Direito. “Nenhuma reforma trabalhista que venha modernizar o direito do trabalho, adaptá-lo às novas formas de trabalhar, às novas necessidades do mercado, às necessidades de criação de postos de trabalho ou de crescimento econômico pode passar por cima da Constituição” – arrematou a desembargadora.